O efeito anti-litúrgico do imediacionismo e do individualismo da moderna soteriologia calvinista norte-americana.
Por Jeffrey Meyers.
(continuação da Parte 8)
(leia o original aqui)
Parece que, para que esteja resguardada a soberania da obra de Deus, nós freqüentemente pensamos que devemos remover todos os meios, toda a mediação e, de fato, toda instrumentalidade da humanidade e da criação, e confinar a obra da salvação e da santificação a operações particulares, não mediadas, do Espírito sobre a alma do indivíduo homem.
Teólogos e pastores reformados são particularmente suscetíveis a esse erro por causa da influência indevida do livrinho de B. B. Warfield, The plan of salvation (Philadelphia: Presbyterian Board of Publications, 1915). Antes mesmo de dizer alguma coisa sobre o livro, deixem-me já rebater as já esperadas críticas dos fãs de Warfield. Ele foi um ótimo teólogo bíblico e sistemático. Não duvido disso nem por um minuto. Eu mesmo me beneficiei muito das suas obras. Essa é a primeira coisa a dizer.
A segunda é que eu não estou preocupado tanto com a teologia de Warfield em geral, mas com o que está expresso nesse livreto, O plano da salvação. Muita gente não tem contato com Warfield, senão por esse livro. Eu sei que isso é verdade especialmente para boa parte dos seminaristas. Meu problema é que esse livrinho, ao contrário do restante da obra de Warfield, apresenta um retrato muito mal tirado da sua teologia e, portanto, da teologia calvinista dos sacramentos, da liturgia e da igreja.
Sem fornecer um mínimo de prova escriturística, Warfield afirma que "a fé evangélica significa precisamente a dependência imediata da alma de Deus, e de Deus apenas, para a salvação" (p. 66, ênfase minha). Qualquer teologia que "separa a alma do contato direto com, e da dependência imediata de Deus, o Espírito Santo", é chamada de "sacerdotalismo".
Isso é perturbador. Se esse livrinho for tomado isolado do restante da obra mais aprofundada de Warfield, então isso conduzirá o leitor a se libertar da Reforma magisterial, especialmente da insistência luterana e calvinista de que Deus de fato usa instrumentos humanos (água, pão, vinho, a voz de outros seres humanos etc.) para comunicar-se a si mesmo e sua graça a seu povo.
O conceito warfieldiano de um calvinismo purificado como consistindo da imediação da obra do Espírito na alma do homem era mais motivada, temo eu, pelo seu preconceito contra os sistemas sacramentais de Roma e Cantuária do que por uma leitura cuidadosa das Sagradas Escrituras. Isso continua sendo um problema em rodas reformadas.
Warfield argumenta que a imediação é a essência da fé reformada e a própria realização da religião bíblica.
Pelo contrário, eu argumentaria que a noção não-bíblica da imediação é o calcanhar de Aquiles do calvinismo americano. Por que nós sentimos que seria uma indignidade o Espírito Santo ligar-se a si mesmo a meios externos tão inexpressivos como as palavras familiares proclamadas pela sepulcral voz de um pregador de carne e osso, ou o pão e o vinho da Ceia, ou a água do Batismo? Não será por causa de um falso espiritualismo, uma espécie de gnosticismo que se infiltrou no nosso pensamento enquanto cristãos? Uma noção estranha, não-bíblica, de que o Espírito deve operar na alma do homem sem o uso de meios ou instrumentos externos? Onde esto está ensinado na Bíblia?
A verdadeira essência da religião bíblica é, talvez, a coisa mais difícil a ser reaprendida por nós, modernos cristãos espiritualistas. Estamos tão acostumados a pensar em termos de corpo e alma, carne e espírito, físico e espiritual como sendo opostos, que deixamos de compreender que a plena magnitude do amor de Deus reside no fato surpreendente de que o Filho de Deus veio a nós em carne, e que o Espírito Santo generosamente liga-se a si mesmo aos meios de graça. Negar isso é derrapar para uma forma de gnosticismo.
Phillip Lee argumenta convincentemente que o protestantismo norte-americano em particular tem, talvez inadvertidamente, abraçado uma espiritualidade gnóstica (Against the protestant gnostics. Oxford: Oxford University Press, 1987). Acho que ele está certo. Os reformados modernos não gostam de liturgia porque acham que ela introduz um indesejado "intermediário" entre Deus e a alma individual. Esse monte de coisa só serve para complicar. Não precisamos disso. Afinal, se eu tenho contato espiritual direto com Jesus, pra quê eu vou precisar dessas outras coisas materiais?
(Continua)
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