Por Jeffrey Meyers
(Continuação da parte 9)
(Leia o original aqui)
Pelo menos um terço das Institutas de Calvino é dedicado à doutrina da igreja (Livro IV). A doutrina de Deus, do homem, de Cristo e da salvação, todas culminam no Corpo místico do qual Cristo é o Cabeça. Essa "alta" teologia eclesiástica pode ser encontrada em todos os reformadores do século XVI (confira AVIS, Paul D. L., The Church in the theology of the reformers. Atlanta: John Knox, 1981) e especialmente na teologia reformada do começo do século XVI (confira a ótima exposição em MACGREGGOR, Geddes. Corpus Christi: the nature of the Church according to the Reformed tradition. Philadelphia: Westminster Press, 1958). É nesta comunidade de carne e osso santos, diálogo oral, rituais materiais e sacramentos físicos que nós nos encontramos com Deus. Calvino avisa:
Portanto, aquele que quer encontrar Cristo, deve primeiro encontrar a Igreja. Como alguém saberia onde estão Cristo e sua fé, se não souber onde estão seus seguidores? Aquele que quer saber alguma coisa de Cristo não deve confiar em si mesmo, ou construir seus próprios caminhos para o céu por sua própria razão, mas deve dirigir-se à Igreja, visitá-la e lá perguntá-lo (...) pois fora da Igreja não há verdade, não há Cristo, não há salvação.
Se isso nos soa estranho ou simplesmente errado, é porque nós fomos infectados com uma mentalidade gnóstica. O Espírito fala através da Noiva (Ap. 22.17). Quando Jesus convoca as sete igrejas a ouvir o Espírito, ele quer que elas ouçam a voz de seu pastor/mensageiro enquanto ele lê a carta que é endereçada a cada uma (Ap., caps. 2 e 3). A primeira parte do Livro IV das Institutas trata "da necessariedade da igreja". Ao falar do material e bem visível corpo dos crentes na terra, Calvino diz:
(...) porque é nossa intenção, agora, discutir a igreja visível, aprendamos do simples nome "mãe" o quão útil, e de fato necessário, é que nós devamos conhecê-la. Pois não há outro modo de se chegar à vida, senão se essa mãe nos conceber em seu útero, nos dar à luz, nos nutrir em seu seio, por fim, a menos que ela nos mantenha sob se cuidado e direção até que, deixando a carne mortal, nos tornemos como os anjos. Nossa fraquea não nos permite sermos dispensados de sua escola até que tenhamos sido alunos por toda a vida. Além disso, longe de seu seio ninguém pode ter esperança de qualquer perdão de pecados, ou de qualquer salvação (Institutas, IV.I.4).
É de se notar que Calvino não está falando de uma igreja invisível, "espiritual", mas da própria comunidade física dos crentes, que se reunem para servirem-se uns aos outros se serem os meios pelos quais Deus serve, pelo falar, o ouvir, o cantar e o orar por e em favor uns dos outros. De certa forma, a igreja é o mais preeminente dos meios de graça (confira LEITHART, Peter. Against "Christianity": for the Church; bem como o seu Sociology of infant baptism, dos quais ambos se encontram em Biblical Horizons: Christendom Essays, n. 100, dez. 1997, pp. 29-50 e 86-106).
Então por que tantos têm medo disso? Uma das idéias mais nocivas já lançadas no cristianismo reformado é essa noção de que Deus normalmente comunica a sua presença imediatamente [no sentido de "sem mediadores", N. do T.] à alma do homem, desviando-se de todos os meios externos, físicos. Sim, é verdade, e é parte do ideário da teologia reformada, que o Senhor é livre para operar fora dos meios constituídos, em casos extraordinários. Mas isso significa apenas que o Senhor ordinariamente trabalha da forma como prometeu, através dos instrumentos que ele mesmo apontou para comunicar sua graça, quais sejam, pela instrumentalidade das palavras audíveis de seus ministros, pela água do Batismo, e pelo pão e pelo vinho da Comunhão. Há, é claro, circunstâncias extraordinárias, nas quais não se limita àqueles meios o poder e a graça do Senhor. Mas por que é que nós deveríamos fazer uma "teologia das exceções"? Nós não podemos dizer que o Batismo tem qualquer efeito por causa do argumento do bandido da cruz? E do bebê que morre antes de chegar à pia? Fazer teologia apelando apenas para as exceções nos deixaria com uma compreensão muito empobrecida dos sacramentos.
Nós deveríamos, como pastores reformados, afirmar que os meios normais, ordinários, pelos quais Deus comunica as suas dádivas são, de fato, aqueles que ele mesmo constituiu, não outros além ou em torno deles, e muito menos sem eles! Esse é o modus operandi normal de Deus. O Espírito Santo normalmente opera através dos instrumentos físicos e humanos que ele mesmo ordenou. Do contrário, as promessas que são vinculadas a esses meios são enganosas e mesmo traiçoeiras.
Entender a promessa do Espírito Santo de usar os meios determinados pelo Senhor como instrumentos para entregar as dádivas do Reino é uma das marcas da eclesiologia sacramental reformada de Calvino. Por que não cremos no que Deus nos prometeu? Por que nos ofendemos em pensar que Deus realmente cumpre a sua promessa no Batismo? Ou na Ceia do Senhor? Ou no serviço da Palavra por meio dos que ele deu ao Ministério da Igreja? Um dos meus professores em Concordia diz: "Nós, pessoas modernas, não mais encontramos o Espírito Santo ele deveria ser buscado... não entendemos mais o elo prometido do Espírito Santo com os meios externos de graça, e talvez nem mais queiramos ouvi-lo. (NAGEL, Norman. Externum Verbum, Logia 6. Trinity 1997, pp. 27-32). Calvino diz assim, ao comentar João 20.23 e o comissionamento dos discípulos como ministros do Evangelho:
Agora vemos o motivo pelo qual Cristo emprega termos tão grandiosos, para elevar e adornar o ministério que ele confia e entrega aos Apóstolos. É para que os crentes possam ser plenamente convencidos de que o que eles ouvem a respeito do perdão dos pecados está ratificado e não pode ter menos valor a reconciliação que é oferecida pela voz dos homens, do que se o próprio Deus estendesse sua mão dos céus. E a igreja recebe diariamente o mais abundante benefício dessa doutrina, quando percebe que seus pastores são divinamente ordenados para que sejam certeza da eterna salvação, e que não se precisa ir longe para buscar o perdão dos pecados, que é confiado aos seus cuidados. (Commentary on the Gospel according to John, v. 2, trad. William Pringle. Grand Rapids: Baker, 1981, p. 272)
Nenhum comentário:
Postar um comentário