quinta-feira, 31 de julho de 2008

Presbiterianos & Liturgia, parte 8

Terminologia e glória

Por Jeffrey Meyers

(continuação da parte 7)
(leia o original aqui)

A terminologia que nós usamos para descrever o que acontece no Dia do Senhor pode causar confusão. Nós herdamos a designação “serviço de louvor”, que, na minha opinião, leva a uma confusão sobre o que realmente acontece na congregação.

“Serviço” vem do latim servitium, como em servitium Dei (“o Serviço de Deus”, ou “o Serviço Divino”). Essa forma antiga de designar a liturgia cristã é deliciosamente ambígua. No “Serviço divino” ou no “Serviço de Deus”, quem está servindo quem? É Deus que nos serve, ou nós servindo a Deus? Ou ambos?

Na concepção clássica, considerava-se que o “Serviço Divino” incluía tanto o serviço de Deus a nós, e o nosso serviço a Deus. Mas mesmo naquele tempo, nossos pais na fé consideravam o serviço de Deus a nós (o perdão dos pecados, o ministério [serviço!] da Palavra, os Sacramentos etc.) como o principal, e o nosso serviço a ele como uma resposta secundária.

Mas a prioridade do serviço de Deus a nós é exatamente o que se perde quando chamamos nossa assembléia dominical de “louvor”. No inglês (worship), esse termo vem do anglo-saxão worth-ship, que significa reconhecer o devido valor (worthness) de uma coisa ou de uma pessoa. Ao chamarmos nossa reunião de “culto de louvor”, parece que estamos dando ênfase não às dádivas e ao ministério de Deus a nós por meio da Palavra e dos Sacramentos, mas sim ao nosso, de reconhecer o “valor” de Deus.

Infelizmente, muitas pessoas que pregam e ensinam acerca do culto têm uma tendência de passar batido por isso. Nós tendemos demais a aceitar a enganosa tradução de “liturgia” como “o serviço do povo”, o que, na verdade, é só metade da história, e, na verdade, é a segunda metade!
O que acontece no domingo é a continuação do serviço do Senhor Jesus, assunto aos céus, por seu povo. “Pois qual é maior: quem está à mesa, ou quem serve? Porventura não é quem está à mesa? Pois, no meio de vós, eu sou como quem serve.” (S. Lucas 22.27; veja também S. Mateus 20.28, S. João 13.5-16 e Filipenses 2.7-8).

Sem essa compreensão, nosso culto inevitavelmente se degenera em pelagianismo com verniz calvinista. O serviço de louvor não é primeiramente para Deus. Ao contrário, primeiro nós recebemos de Deus, então, secundariamente, nós devolvemos a ele, com gratidão, precisamente daquilo que ele generosamente continua a nos dar.

Glória

Afinal, Deus não precisa de nosso serviço ou adoração. Ele não nos criou primeiramente para se glorificar a si mesmo, mas para distribuir e compartilhar a plenitude da sua glória com as suas criaturas. Isso precisa ser considerado com cuidado. O verdadeiro Deus não é como os deuses pagãos que precisam se alimentar de toda a glória que conseguirem. Para o verdadeiro Deus, a verificação da quantidade de glória que ele possui e a que nós possuímos não é um exercício de compensação. Se ele tem toda a glória, isso não significa que nós não temos nenhuma. Se nós temos glória, isso não vai às expensas da sua própria glória. Somente quando nós nos recusamos a reconhecer a fonte da nossa glória e nos afirmamos a nós mesmos contra a sua, é que incorremos na condenação dos profetas.

Thomas Howard desafia corretamente essa distorção:

Se apenas Deus é Todo-glorioso, então ninguém mais tem glória alguma. Nenhuma exaltação pode ser admitida a qualquer outra criatura, pois isto colocaria em xeque a prerrogativa exclusiva de Deus. Mas isto é imaginar uma corte medíocre. Que tipo de rei se cerca de criaturas deformadas, aleijadas e sem valor? Quanto mais glorioso o rei, mais gloriosos são os títulos e honras que ele confere. As plumas, coques, coroas, diademas, mantos e medalhões que adornam sua corte testificam de uma coisa apenas, de sua própria majestade e munificência. Grande é o rei que tem figuras de tão grande dignidade em sua corte, ou melhor ainda, que ele mesmo elevou a tal dignidade. Esses grandes senhores e senhoras, alfaiados e coroados com a maior honra e dignidade, são precisamente seus vassalos. Esse conjunto resplandecente é a sua corte! Toda a glória a ele e, nele, glória e honra a esses outros (Evangelical is not enough [Nashville: Thomas Nelson, 1984], p. 87).

Mas é essa forma mais crua de doutrina que povoa o imaginário popular. Se alguém tem uma nesga de glória, ela deve ser confiscada por Deus. Isso é paganismo. Ao contrário, nós devemos dizer que, se alguém tem uma medida, ou dez, de glória, ela lhe foi dada por Deus, da plenitude de sua própria glória, de modo que toda a glória no mundo redunda, em última análise, a ele. “Porque dele e por meio dele e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém.” (Romanos 11.36).

É essa visão equivocada da relação entre a glória de Deus e a nossa própria que leva a toda sorte de erro. Nossas igrejas não podem ser belas (gloriosas), mas devem parecer com auditórios, nus e caiados, do contrário poderíamos estar desviando as pessoas de Deus, que sozinho possui toda a glória. Loucura. A beleza não é perigosa em si mesma. É Deus quem dá glória e beleza a seu povo. Que idéia de Deus é passada por igrejas que deliberadamente fazem ambientes feios para o culto? O de um marido que prefere que sua esposa seja desmazelada, que não permite a ela que se embeleze; tal marido não ama de verdade a sua esposa. E quão pior seria que ele preferisse chamar a atenção para si mesmo e sua beleza, ao manter a sua esposa em farrapos!

O Pai deseja glorificar a noiva de seu Filho. O Filho também se dedica para embelezá-la. O Espírito da glória está diretamente envolvido nessa produção. O que você acha que isso significa para a liturgia cristã? Pense assim: o que fazemos nas cerimônias de casamento? Normalmente, os pais e o casal se dedicam a torná-las belas. Tempo e esforço são aplicados para assegurar que tudo seja feito direito, para glorificar a noiva e assegurar que a cerimônia seja, também, gloriosa. Por que não temos essa mesma postura com relação ao culto do Dia do Senhor? Onde está a preocupação correspondente com a beleza e o significado da liturgia da Igreja?

(continua na parte 9)

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