Adaptada de um recente debate no Orkut.
Muita tinta (e, nestes tempos, muitos megabytes) se tem gasto na defesa do resgate da teologia reformada. O relançamento, revisado, da edição brasileira das Institutas de Calvino, pela Cultura Cristã/CEP, várias novas publicações, dele e de outros grandes nomes da Teologia reformada; o especialmente ainda aguardado lançamento da Dogmática Eclesiástica de Karl Barth em português.
As coisas andam bem, na verdade, para os defensores da Teologia reformada, de um ponto de vista da Sistemática/Dogmática. Mesmo entre denominações tradicionalmente arminianas, vem surgindo um grande interesse pelas formulações calvinistas. Surgiu uma Convenção Batista Reformada e já despontam inclusive líderes evangelicais e pentecostais influenciados pela Teologia reformada.
Por outro lado, para os amantes da ciência/arte litúrgica reformada, a coisa está feia, exceto, é claro, por algumas obras já clássicas (James White - embora metodista -, Von Allmen, relançado pela ASTE após um longo inverno) e heróicos esforços, de alguns indivíduos e de uma ou outra denominação - sobretudo a IPIB, que revisou seus Princípios de Liturgia e editou um novo e, pensava eu, irretocável Manual do Culto (pensava, porque, esgotado, aguarda aperfeiçoamentos na próxima Ordinária da AG/IPIB antes de ser reimpresso).
Verdade é que, desde a segunda geração da Reforma, com o advento dos Escolásticos, deu-se, sobretudo na vertente britânica do protestantismo reformado, muito mais ênfase ao desenvolvimento da Teologia Sistemática, e da solução racional de todos os seus pontos, do que ao estudo das formas litúrgicas a serem empregadas no culto público.
Na Europa, nunca se teve grandes polêmicas com a questão litúrgica. Partindo das estruturas elaboradas por Calvino em Genebra e Estrasburgo, os suíços, alemães, huguenotes e holandeses desenvolveram uma liturgia fluida e bem identificável.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, por outro lado, o assunto foi motivo para derramamento de sangue. Predominou o modelo puritano, que rejeitava até mesmo as formas litúrgicas simples dos continentais, em favor das "linhas-guia" genéricas do Diretório de Culto de Westminster.
Por outro lado, tanto no continente como nos domínios anglo-saxões, o predomínio do racionalismo, da lógica cartesiana da Escolástica, perdeu-se parte, senão toda a dimensão mística da liturgia reformada. Isso, somado aos demais postulados litúrgicos dessa corrente (Princípio Regulador do Culto), desembocou na liturgia extra-seca dos puritanos: exclusiva salmodia a capella no campo musical; duas lições, uma no Antigo e uma no Novo Testamento, dando origem a um, ou mesmo dois longos e acadêmicos sermões expositivos. E, uma vez a cada três meses, a celebração da Eucaristia.
Há quem advogue a falência do Cristianismo Reformado graças a esse exacerbado racionalismo, pois não tem sido capaz de comunicar suas verdades pelos meios simbólicos e místicos que retornaram à voga no final do século. Aí, retomaram suas vantagens, pelos dois extremos, os católicos romanos e os pentecostais, ambos plenamente capazes de comunicar de maneira simbólica e mística, verdades que transcendem a lógica pura.
Creio ser hora de resgatarmos, nós, também, a dimensão simbólica, mística e transcendente que há (sim, há) no culto reformado. Temos os nossos símbolos, nossos próprios rituais com seus próprios significados, não dependemos de reinventar a roda criando outros ou de tomá-los emprestados de outras tradições. A questão é de resgatá-los e atualizá-los para hoje!
No século XIX, na esteira do movimento de resgate litúrgico dos anglicanos, alguns heróis dentre os presbiterianos ousaram sugerir esse mesmo resgate, adaptado ao universo reformado, com grandes e visíveis frutos. No Brasil, estamos 150 anos atrasados. É tempo de promover aqui, também, o debate e o resgate da nossa tradição litúrgica, tanto reformada como cristã católica (universal, não católica romana).
Não se trata de mero arqueologismo litúrgico. Não basta tomar a liturgia de Genebra, o Saltério de Genebra, traduzi-los e usar. Do contrário, não haveria diferença entre isso e a celebração de missas em latim no rito tridentino*: tudo lindo, correto, mas sem um prévio e cuidadoso trabalho de atualização (especialmente atualização dos participantes, sobretudo o povo), não passaria de encenação histórica, repetida sem compreensão dos significados, mecanicamente.
Queremos discutir por aqui as formas com que se pode dar essa atualização, sem que se descaracterize a estrutura e o conteúdo do culto reformado. Pelas letras das músicas? Pelas músicas? Pela linguagem do sermão, das orações, das leituras, das litanias?
O debate está aberto!
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* Em tempo, morro de vontade de assistir a uma missa em latim no Rito Tridentino. Mas nem nas igrejas católicas romanas da minha cidade eu escapo das bandinhas de "ministração de louvor".
Um comentário:
Caro irmão
Não sei qual a sua intenção em colocar Barth no mesmo pé de igualdade que Calvino. Apesar dos efusos elogios do campeão da neo-ortodoxia pelo grande reformador genebrino, parece-me que a teologia de Barth pouquíssimo conteúdo tem para ser ainda identificada como sendo historicamente reformada.
Respeitosamente,
Ewerton B. Tokashiki
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