Por James Shiels.
Texto originalmente publicado em A Wandering Pilgrim: Liturgical Worship is dead, 31 de julho de 2011. Traduzido com permissão.
"O culto litúrgico é morto."
"Deus só gosta de orações espontâneas, não de 'orações enlatadas'."
"O culto anglicano é chato! Levante-se, dance, divirta-se!"
Eu escutei cada uma dessas objeções (e tantas outras) contra o culto litúrgico. Quando eu era um protestante evangelical, provavelmente eu mesmo teria feito essas afirmações, apesar de jamais ter participado de uma igreja fortemente litúrgica. Minha opinião sobre o culto litúrgico era bem típica dos demais evangelicais: ritual morto. É, eu achava que igrejas litúrgicas eram mortas. Para um não-cristão, a palavra "litúrgico" pode indicar que o culto é desanimado, mas, como cristãos, as consequências são bem mais sérias. Quando alguém diz que uma igreja é "morta", isto não significa apenas que o culto é chato ou engessado, mas que ela não segue a vontade de Deus, que ela deu as costas ao "verdadeiro" culto cristão ou, pior ainda, que Deus deu as costas para essa igreja. Apesar da firmeza da minha opinião, eu nunca sequer me incomodei em pesquisar o que seria o culto litúrgico, nem sequer sabia o que litúrgico significava, muito menos a sua história. Para mim, litúrgico significava ritual e repetição mecânica, e eu com certeza jamais me envolveria com nada disso.
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A única forma em que uma igreja pode ser livre de ritual e repetição é fazer tudo novo toda semana. Acho que uma tal igreja pode até existir, mas teria de mudar de prédio, e mesmo de membros, para ser totalmente livre de tradição e ritual. Imagine uma igreja assim... hinos novos compostos a cada semana, novos estilos e instrumentos musicais, leituras de toda sorte de textos sagrados, membros diferentes participando a cada semana, cultos em dias e horários diferentes, e em prédios diferentes. E mesmo assim, depois de um tempo, os fatores que eu mencionei se tornariam rituais em si mesmos. Dá pra enlouquecer tentando escapar totalmente de qualquer tipo de ritual. Tenho certeza que muitos tentaram com empenho, na tentativa de evitar essas sinistras palavras iniciadas em "r-".
Mas como mostrei acima, não conseguimos ser totalmente livres do ritual, de verdade. Se conseguir ficar livre de todo ritual, me avise, lhe pago um café. Mas tome cuidado, porque se fizer algo bem o bastante para conseguir, é provável que isso também se torne um ritual. A pergunta, então, fica sendo: "de que tipo de ritual eu quero participar?". Isso pode se resumir a uma questão de tipo de personalidade, história de vida etc. Mas convenhamos, no final das contas, se for pra ser ritualista, é igualmente válido cultuar em um ritual bem-fundamentado, bíblico e histórico, provado e aprovado ao longo dos séculos. E aqui entra a liturgia cristã antiga.

Eu apliquei esse mesmo teste, dois anos atrás, em minha antiga igreja. Prestei muita atenção em quanto do culto era, de fato, trabalho do povo. Os cultos, no final das contas, eram quase totalmente trabalho do pastor. Cantávamos alguns salmos juntos, mas depois disso nossa participação acabava. Se alguma oração era feita, o pastor era o único que dizia alguma coisa. O sermão, com frequência, era muito comprido, e no final eu percebia que a congregação não tinha feito nada; o pastor fez tudo. Depois do culto, eu saía com pressa para almoçar, enquanto o pastor e a equipe de louvor provavelmente se sentiam revitalizados. Eu começava a folhear a Biblia e a ler textos aleatórios, quando o sermão passava dos 20 minutos, mas o pastor provavelmente saía com a sensação de ter ouvido a palavra de Deus. Por quê? A razão é que o pastor e a equipe de louvor realmente participavam no culto, e eu era simplesmente um membro da plateia, que sentava e assistia passivamente.

Aqueles de nós que adotam uma liturgia em nossos cultos participam de outra forma importante: muitas vezes nós celebramos a Eucaristia semanalmente, ou (no caso das Catedrais) diariamente, observando continuamente a ordem de Cristo, "fazei isto em memória de mim." A Eucaristia, que a maioria do pessoal aqui chama de Santa Ceia, ou Comunhão, é a comunidade inteira vindo até a mesa de Deus para compartilhar do Corpo e do Sangue de Cristo, e para lembrar de seu único e suficiente sacrifício por nossos pecados na Cruz. Para nós, a Comunhão é o acontecimento central do culto, mais do que a pregação. O sermão (chamado de homilia, embora eu ainda não tenha conhecido ninguém moderno que use esse nome) é simpesmente uma reflexão de 10 a 20 minutos sobre o Evangelho, e acontece mais ou menos no meio do culto.
Estou acostumado com o sermão de 50 minutos, todo exegético, mas no sistema anglicano isso é quase inédito. Isso porque o trabalho do povo é a razão do culto, mais do que os sermões do pregador. É claro que a Eucaristia exige a participação ativa da comunidade. Ninguém pode participar passivamente na Eucaristia, simplesmente porque ela exige que se sente, levante, saia do seu lugar (mas você também pode optar por ficar lá, e refletir).
Com tudo isso, não quero dizer que nós, anglicanos, e nossos irmãos e irmãs romanos e ortodoxos não têm muito a aprender com nossos irmãos e irmãs mais pentecostais, que cultuam de uma forma mais "contemporânea". Os cultos de louvor e adoração contemporâneos são cheios de entusiasmo, propósito e uma empolgação com a própria fé. Enquanto é possível que esses elementos sejam levados a excessos, e até objeto de abuso, nós anglicanos poderíamos aprender a ter mais entusiasmo e propósito com nossa fé. Além disso, sermões mais longos oferecem uma boa oportunidade de educação religiosa e de ouvir a mensagem de Deus, e eles podem ser realmente benéficos. Quando começamos a considerar a homilia insignificante, perdemos de ouvir a palavra de Deus, e trazer o sermão mais para o centro do culto talvez melhore nosso conhecimento cristão e encoraje àqueles de nós no ministério a assumir um papel mais ativo em nossas congregações, de modo que nossos sermões e mensagens permaneçam contemporâneos, tenham significado e falem à vida das pessoas.

James Shiels é candidato ao Sagrado Ministério na Igreja da Irlanda (anglicana), e editor do blog A Wandering Pilgrim.
Um comentário:
Muito boa a abordagem, parabéns!
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