Trabalho originalmente apresentado ao Seminário Presbiteriano do Sul (Campinas/SP) para avaliação semestral na Cadeira de Música.
O HINO “TRINDADE
SANTÍSSIMA”, NC 11
Sem. Eduardo Henrique Chagas
O hino Trindade Santíssima, nº 11 do Novo
Cântico, conhecido em outros hinários pelo título Louvor ao Trino Deus[1],
ou simplesmente por seu primeiro verso, “Santo! Santo! Santo! Deus onipotente”,[2]
é, sem dúvida, um dos hinos mais conhecidos e amados de toda a hinódia protestante.[3]
Nos meios protestante e evangélico, mesmo igrejas que já não mantêm qualquer relacionamento
com a música sacra “tradicional” ainda o conservam em seu repertório, muitas
vezes escrevendo arranjos para os conjuntos musicais e vocais mais em voga
atualmente. A força e, consequentemente, a longevidade deste hino, com certeza
se devem ao feliz casamento de letra e música, que raramente acontece de forma
tão perfeita quanto como neste caso[4].
A história deste hino começa na
Inglaterra, na primeira metade do século XIX. O jovem Reginald Heber, nascido
em 1783, herdeiro de uma família da aristocracia rural britânica, abandonando os
negócios da família, sentiu-se chamado para o ministério pastoral.[5]
Tornou-se ministro da Igreja da Inglaterra, pela qual foi ordenado em 1807, aos
24 anos.
Uma das prioridades do jovem Rev.
Heber era melhorar a qualidade do canto congregacional; nessa época, a Igreja
Anglicana, assim como as igrejas reformadas e presbiterianas, cantava quase que
exclusivamente Salmos e outros textos bíblicos metrificados. Hinos eram uma
novidade entre essas igrejas, e o bispo de Heber via com desconfiança essa modificação
na liturgia[6].
Heber preparou uma coleção de 57 hinos com temas voltados ao Calendário
Litúrgico, para serem cantados depois dos sermões. Santo! Santo! Santo! foi composto para a Festa da Santíssima
Trindade (domingo seguinte ao Pentecostes). Por causa da resistência da Igreja,
porém, a coleção só pôde ser publicada postumamente[7].
Heber foi um dos primeiros
entusiastas das missões estrangeiras na Igreja da Inglaterra; em seu tempo de
seminário em Oxford, foi um dos fundadores da Sociedade Bíblica Britânica e
Estrangeira, e logo também filiou-se à Sociedade Missionária da Igreja [da
Inglaterra]. Esse amor pelas missões o levou a rejeitar uma posição como Deão
(pastor efetivo) da histórica Catedral de Durham, e aceitar a posição de Bispo
de Calcutá, na Índia, então colônia britânica. Foi sagrado bispo em 1823, e
pastoreou sua diocese por três anos, até sua prematura morte em 1826, aos 42
anos de idade. Na Índia, foi querido tanto por britânicos como por nativos, por
cujos direitos militava ativamente, denunciando os desmandos e injustiças da
Companhia das Índias Orientais[8].
Foi sepultado na Catedral de São João em Calcutá, e monumentos em sua homenagem
foram erigidos por toda a Índia e também na Inglaterra. Há uma estátua sua na
Catedral de São Paulo, em Londres.
A letra do hino tem uma qualidade
poética atemporal: Heber foi capaz de exaltar um conceito teológico tão
abstrato quanto a Santíssima Trindade sem cair no sentimentalismo, que
desprezava na poesia de seu tempo; era, afinal, o auge do Romantismo na
literatura. Evitar o emocionalismo predominante na época garantiu que o poema
não se tornasse desgastado, não saísse de moda, pois não foi composto segundo a
moda de seu tempo.
O fato, porém, é que o poema só atingiu
a notoriedade que tem hoje graças à música que lhe foi associada[9].
A melodia Nicaea foi composta pelo Rev.
John Bacchus Dykes especialmente para o hino de Heber, e publicada pela
primeira vez no hinário Hymns ancient and modern, de 1861,
ainda hoje editado na Inglaterra. Dykes (1823-1876) foi um jovem prodígio; autodidata
em piano, violino e órgão, conquistou o posto de organista titular de sua
paróquia aos dez anos de idade[10].
Estudou Música e Teologia em Cambridge, foi ordenado pastor anglicano e especializou-se
na composição de melodias para hinos congregacionais. O título da melodia é uma
alusão ao histórico Concílio de Nicéia (325 A.D.), um dos principais na
consolidação da doutrina cristã da Santíssima Trindade[11].
Interessante notar que, à exceção da
obscura melodia de E. T. Cook em um hinário católico norte-americano de 1905[12],
inexistem registros das músicas que tenham sido previamente associadas ao hino
de Heber. Foi com Nicaea que Santo! Santo! Santo! tornou-se um dos
padrões pelos quais se mede a música congregacional protestante, e essa união
foi tão perfeita e expressiva que a lembrança de qualquer outra música para
este texto desapareceu completamente.
O hino foi traduzido para o português
em 1888 pelo Dr. João Gomes da Rocha, filho adotivo do casal de missionários
congregacionais Robert e Sarah Kalley, e responsável pelas revisões e edições
do hinário Salmos e Hinos após a
morte de seus pais. Santo! Santo! Santo!,
em sua tradução, é adotado, com
poucas adaptações, em todos os principais hinários protestantes brasileiros.
O poeta britânico Alfred Tennyson
disse deste hino: é o mais emblemático hino de todos os tempos. Unindo-nos a
todos esses nossos ancestrais na fé, vamos cantar, com vigor e com júbilo, o
hino nº 11, Trindade Santíssima!
REFERÊNCIAS
BROWN, Theron;
BUTTERWORTH, Hezekiah. The story of the
hymns and their tunes. Nova York:
American Tract Society, 1906.
Cantai todos
os povos. 2. ed. com música. São
Paulo: Pendão Real, 2006.
Holy! Holy! Holy! in
Selah Publishing, disponível em
http://www.selahpub.com/Choral/ChoralTitles/425-612-HolyHolyHoly.html, acesso
em 6. mar. 2013.
ICHTER, Bill. Se
os hinos falassem.... v. 1. São Paulo: JUERP, 1987.
REAM, Ethel Dawsey. Histórias de hinos. [s.l.]: Junta Geral de Educação Cristã da Igreja
Metodista do Brasil, 1939.
Reginald Heber, in
Wikipedia. Disponível em
http://en.wikipedia.org/wiki/Reginald _Heber; acesso em 6. mar. 2013.
[1] Hinário
Evangélico, nº 104; Hinário da
Igreja Episcopal, nº 198.
[2] Salmos &
Hinos, nº 247; Cantai Todos os Povos,
nº 34.
[3] De fato, chegou ao conhecimento e uso da Igreja
Católica Romana (Cf. Catholic Church
Hymnal with Music, nº 65, associado a uma música de E. T. Cook). Constitui,
portanto, verdadeiro patrimônio de toda a cristandade.
[4] Opinião compartilhada por grande número de hinólogos;
cf. Ichter, 1987, pp. 9-12; Brown & Butterworth, 1906, p. 51.
[5] Cf. Ichter, 1987,
p. 10.
[6] Cf. Ichter, 1987, p
10; Wikipedia, op. cit.
[7] Santo! Santo!
Santo! foi publicado pela primeira vez na Índia em 1826, numa coleção de
hinos para uso local nos cultos da Paróquia de Banbury. No ano seguinte, a
viúva de Heber conseguiu finalmente publicar a coleção Hymns written and adapted to the weekly Church Service of the year
[Hinos compostos e adaptados aos cultos dominicais de todo o ano], que o
destacava para o Domingo da Santíssima Trindade. Cf. Holy! Holy! Holy! in Selah
Publishing, disponível em http://www.Selahpub. com/Choral/ChoralTitles/425-612-HolyHolyHoly.html;
acesso em 6. mar. 2013.
[8] Cf. Wikipedia.
op. cit.
[9] A mesma opinião têm Brown & Butterworth, 1906, p.
51, e Ichter, 1987, p. 11.
[10] Cf. Ream, 1939, p. 80.
[11] Cf. Cantai
todos os povos, nota ao hino nº 34.
[12] Trata-se de TOZER, A. Edmonds (ed.). Catholic Church hymnal with music. Nova York: J.
Fischer & Bro., 1905, nº 65.
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