quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Santo! Santo! Santo! Deus Onipotente!

Trabalho originalmente apresentado ao Seminário Presbiteriano do Sul (Campinas/SP) para avaliação semestral na Cadeira de Música.



O HINO “TRINDADE SANTÍSSIMA”, NC 11

Sem. Eduardo Henrique Chagas

O hino Trindade Santíssima, nº 11 do Novo Cântico, conhecido em outros hinários pelo título Louvor ao Trino Deus[1], ou simplesmente por seu primeiro verso, “Santo! Santo! Santo! Deus onipotente”,[2] é, sem dúvida, um dos hinos mais conhecidos e amados de toda a hinódia protestante.[3] Nos meios protestante e evangélico, mesmo igrejas que já não mantêm qualquer relacionamento com a música sacra “tradicional” ainda o conservam em seu repertório, muitas vezes escrevendo arranjos para os conjuntos musicais e vocais mais em voga atualmente. A força e, consequentemente, a longevidade deste hino, com certeza se devem ao feliz casamento de letra e música, que raramente acontece de forma tão perfeita quanto como neste caso[4].

A história deste hino começa na Inglaterra, na primeira metade do século XIX. O jovem Reginald Heber, nascido em 1783, herdeiro de uma família da aristocracia rural britânica, abandonando os negócios da família, sentiu-se chamado para o ministério pastoral.[5] Tornou-se ministro da Igreja da Inglaterra, pela qual foi ordenado em 1807, aos 24 anos.
Uma das prioridades do jovem Rev. Heber era melhorar a qualidade do canto congregacional; nessa época, a Igreja Anglicana, assim como as igrejas reformadas e presbiterianas, cantava quase que exclusivamente Salmos e outros textos bíblicos metrificados. Hinos eram uma novidade entre essas igrejas, e o bispo de Heber via com desconfiança essa modificação na liturgia[6]. Heber preparou uma coleção de 57 hinos com temas voltados ao Calendário Litúrgico, para serem cantados depois dos sermões. Santo! Santo! Santo! foi composto para a Festa da Santíssima Trindade (domingo seguinte ao Pentecostes). Por causa da resistência da Igreja, porém, a coleção só pôde ser publicada postumamente[7].
Heber foi um dos primeiros entusiastas das missões estrangeiras na Igreja da Inglaterra; em seu tempo de seminário em Oxford, foi um dos fundadores da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, e logo também filiou-se à Sociedade Missionária da Igreja [da Inglaterra]. Esse amor pelas missões o levou a rejeitar uma posição como Deão (pastor efetivo) da histórica Catedral de Durham, e aceitar a posição de Bispo de Calcutá, na Índia, então colônia britânica. Foi sagrado bispo em 1823, e pastoreou sua diocese por três anos, até sua prematura morte em 1826, aos 42 anos de idade. Na Índia, foi querido tanto por britânicos como por nativos, por cujos direitos militava ativamente, denunciando os desmandos e injustiças da Companhia das Índias Orientais[8]. Foi sepultado na Catedral de São João em Calcutá, e monumentos em sua homenagem foram erigidos por toda a Índia e também na Inglaterra. Há uma estátua sua na Catedral de São Paulo, em Londres.
A letra do hino tem uma qualidade poética atemporal: Heber foi capaz de exaltar um conceito teológico tão abstrato quanto a Santíssima Trindade sem cair no sentimentalismo, que desprezava na poesia de seu tempo; era, afinal, o auge do Romantismo na literatura. Evitar o emocionalismo predominante na época garantiu que o poema não se tornasse desgastado, não saísse de moda, pois não foi composto segundo a moda de seu tempo.
O fato, porém, é que o poema só atingiu a notoriedade que tem hoje graças à música que lhe foi associada[9]. A melodia Nicaea foi composta pelo Rev. John Bacchus Dykes especialmente para o hino de Heber, e publicada pela primeira vez no hinário Hymns ancient and modern, de 1861, ainda hoje editado na Inglaterra. Dykes (1823-1876) foi um jovem prodígio; autodidata em piano, violino e órgão, conquistou o posto de organista titular de sua paróquia aos dez anos de idade[10]. Estudou Música e Teologia em Cambridge, foi ordenado pastor anglicano e especializou-se na composição de melodias para hinos congregacionais. O título da melodia é uma alusão ao histórico Concílio de Nicéia (325 A.D.), um dos principais na consolidação da doutrina cristã da Santíssima Trindade[11].
Interessante notar que, à exceção da obscura melodia de E. T. Cook em um hinário católico norte-americano de 1905[12], inexistem registros das músicas que tenham sido previamente associadas ao hino de Heber. Foi com Nicaea que Santo! Santo! Santo! tornou-se um dos padrões pelos quais se mede a música congregacional protestante, e essa união foi tão perfeita e expressiva que a lembrança de qualquer outra música para este texto desapareceu completamente.
O hino foi traduzido para o português em 1888 pelo Dr. João Gomes da Rocha, filho adotivo do casal de missionários congregacionais Robert e Sarah Kalley, e responsável pelas revisões e edições do hinário Salmos e Hinos após a morte de seus pais. Santo! Santo! Santo!, em sua tradução, é adotado, com poucas adaptações, em todos os principais hinários protestantes brasileiros.
O poeta britânico Alfred Tennyson disse deste hino: é o mais emblemático hino de todos os tempos. Unindo-nos a todos esses nossos ancestrais na fé, vamos cantar, com vigor e com júbilo, o hino nº 11, Trindade Santíssima!


REFERÊNCIAS

BROWN, Theron; BUTTERWORTH, Hezekiah. The story of the hymns and their tunes. Nova York: American Tract Society, 1906.

Cantai todos os povos. 2. ed. com música. São Paulo: Pendão Real, 2006.

Holy! Holy! Holy! in Selah Publishing, disponível em http://www.selahpub.com/Choral/ChoralTitles/425-612-HolyHolyHoly.html, acesso em 6. mar. 2013.

ICHTER, Bill. Se os hinos falassem.... v. 1. São Paulo: JUERP, 1987.

REAM, Ethel Dawsey. Histórias de hinos. [s.l.]: Junta Geral de Educação Cristã da Igreja Metodista do Brasil, 1939.

Reginald Heber, in Wikipedia. Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Reginald _Heber; acesso em 6. mar. 2013.


[1] Hinário Evangélico, nº 104; Hinário da Igreja Episcopal, nº 198.
[2] Salmos & Hinos, nº 247; Cantai Todos os Povos, nº 34.
[3] De fato, chegou ao conhecimento e uso da Igreja Católica Romana (Cf. Catholic Church Hymnal with Music, nº 65, associado a uma música de E. T. Cook). Constitui, portanto, verdadeiro patrimônio de toda a cristandade.
[4] Opinião compartilhada por grande número de hinólogos; cf. Ichter, 1987, pp. 9-12; Brown & Butterworth, 1906, p. 51.
[5] Cf. Ichter, 1987, p. 10.
[6] Cf. Ichter, 1987, p 10; Wikipedia, op. cit.
[7] Santo! Santo! Santo! foi publicado pela primeira vez na Índia em 1826, numa coleção de hinos para uso local nos cultos da Paróquia de Banbury. No ano seguinte, a viúva de Heber conseguiu finalmente publicar a coleção Hymns written and adapted to the weekly Church Service of the year [Hinos compostos e adaptados aos cultos dominicais de todo o ano], que o destacava para o Domingo da Santíssima Trindade. Cf. Holy! Holy! Holy! in Selah Publishing, disponível em http://www.Selahpub. com/Choral/ChoralTitles/425-612-HolyHolyHoly.html; acesso em 6. mar. 2013.
[8] Cf. Wikipedia. op. cit.
[9] A mesma opinião têm Brown & Butterworth, 1906, p. 51, e Ichter, 1987, p. 11.
[10] Cf. Ream, 1939, p. 80.
[11] Cf. Cantai todos os povos, nota ao hino nº 34.
[12] Trata-se de TOZER, A. Edmonds (ed.). Catholic Church hymnal with music. Nova York: J. Fischer & Bro., 1905, nº 65.

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