segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Uma Reforma bem conservadora, parte I

Revm.º Peter D. Robinson

(tradução do artigo A Conservative Reformation, originalmente publicado no blog The Old Highchurchman, editado pelo Bispo P.D. Robinson, sufragâneo da United Episcopal Church dos Estados Unidos. A Sociedade pela Liturgia Reformada agradece a gentil autorização de D. Peter para traduzir e publicar esta série de artigos).


Tem havido um esforço bem coordenado, nos últimos 175 anos, por parte de uma facção da Igreja Anglicana, em negar a herança protestante do episcopalismo ortodoxo. Isto geralmente tem tomado a forma ou de uma tresleitura intencional dos Trinta e Nove Artigos de Religião (por exemplo, o Trato XC, de J. H. Newman), ou, mais recentemente, da negação pura e simples de que eles tenham qualquer relevância para a igreja moderna. Conquanto eu discorde fortemente dos argumentos contidos no Trato XC, é verdade que precisamos colocar os Artigos em seu contexto histórico, para podermos compreender plenamente o que o Arcebispo Matthew Parker e as Convocações de Cantuária e York estavam tentando fazer em 1563.

Teologicamente, os Reformadores protestantes se dividiram em três grupos. Para fins de argumentação, chamemo-nos de Biblicistas Conservadores, Biblicistas Moderados e Biblicistas Radicais. Os conservadores foram encabeçados por Lutero, e incluem outros grandes nomes como Melanchton, Bugenhagen, Olaus Petri e a maioria dos primeiros reformadores ingleses -- Barnes, Tyndale etc. Os moderados respondem pelos Reformadores da Suíça e do Reno, como Calvino, Bucer, Ecolampádio, Peter Martyr e Bullinger. O campo radical consiste de pessoas como Carlstadt e Miguel Serveto, que em última análise começaram a repensar até os Credos. O campo radical eventualmente se fechou em um canto e sobrevive hoje apenas em grupos biblicistas radicais como os Amish e os menonitas. Eles têm um primo distante no mainstream na forma das várias igrejas batistas, mas, em geral, sua tradição acabou se tornando bem marginal. Por outro lado, os biblicistas conservadores e moderados acabariam por formar o mainstream da Reforma européia.

O motivo disto é que as várias Igrejas estatais se encaixavam, grosso modo, em dois grupos. Os Biblicistas Conservadores conduziram seu próprio tipo de Reforma no norte da Alemanha e Escandinávia, dando a esses países uma herança evangélica luterana. Os suíços logo abandonaram algumas das posições mais extremadas de Zwínglio e conduziram uma Reforma mais moderada no quesito "somente a Bíblia" em seus cantões, que se disseminou para Estrasburgo, vários Estados da Renânia, norte da Holanda e Escócia. A Igreja inglesa se encaixou em algum lugar entre esses dois campos, conferindo alguma veracidade ao velho ditado de MacCauleuy sobre a Igreja da Inglaterra. Parafraseando-no para aproximá-lo à realidade, seria justo dizer que o Anglicanismo acabou ficando com "uma hierarquia católica, Artigos bucerianos e uma liturgia luterana". Por que isso?

Entre as décadas de 1530 e 1540, parecia que a Inglaterra eventualmente acabaria adotando uma forma conservadora de luteranismo, próxima à da Suécia. O Arcebispo Cranmer era luterano, bem como a maioria dos partidários influentes da Reforma até então. No entanto, por volta de 1545, idéias reformadas, vindas especialmente de Estrasburgo e da Renânia (e não diretamente de Genebra e Zurique) começaram a ganhar terreno. Nicholas Ridley (1500-1555), o "pequeno notável" do movimento da Reforma, parece ter adotado a Teologia Eucarística reformada, após ler uma obra do século IX de um monge chamado Ratramnus. Ele eventualmente convenceu Latimer e Cranmer de que a posição luterana acerca da Eucaristia estava incorreta, e o cenário estava pronto para a Reforma Eduardiana prosseguir segundo linhas moderadamente reformadas, e não mais luteranas.

A despeito de seu conservadorismo, e do favor de que goza com os atuais anglo-católicos, o Livro de Oração Comum (LOC) de 1549 foi cuidadosamente emoldurado em uma esturura teológica reformada. No entanto, Cranmer, que acreditava em conduzir as reformas gradualmente, estruturou a liturgia de uma forma que não chocaria demais os católicos henriquianos, e que ao mesmo tempo o mainstream luterano do partido reformista aceitaria de bom grado. É ponto pacífico que ele fez o trabalho um pouco bem demais, resultando em um longo debate com o bispo católico henriquiano Stephen Gardiner (1500-1555), que acreditava que a Eucaristia de 1549 dava margem a uma interpretação católica, e por outro lado foi duramente criticado por Martin Bucer, Regius Professor de Teologia em Cambridge, que lançou sua primeira Censura do LOC em 1550. Cranmer, que cada vez mais se identificava com a linha reformada, retornou à prancheta, modificando extensamente a ordem para o Culto com Santa Comunhão, e retirou muito do cerimonial que havia sobrado em 1549.

O LOC de 1552 marcou o ápice do pensamento reformado, no que tange à liturgia da Igreja da Inglaterra. Eduardo VI morreu depois de um ano, e a ascensão de Maria Tudor (1516-1558) tornou o ser protestante na Inglaterra um negócio perigoso, visto que ela formalmente restaurou o país à obediência a Roma. No entanto, a infeliz política mariana de queimar protestantes proeminentes, como Cranmer, Latimer, Ridley, Hooper, Taylor e vários outros membros importantes da hierarquia eduardiana, não caiu bem para o público em geral. Tivesse vivido mais tempo, a Rainha Maria I provavelmente teria sido bem-sucedida em devolver a Inglaterra aos apriscos romanos, ou, mais provavelmente, em lançar o país em uma guerra civil religiosa; mas, tendo morrido em 1558, ela deixou o país encalhado entre a velha e a nova religião.

Sua sucessora e meia-irmã, Isabel (ou Elizabeth, 1533-1603) foi educada por John Cheke, e ela teve Matthew Parker como Capelão em certa época. Ela, portanto, tendia ao protestantismo, embora fosse relativamente isenta das influências continentais, não tomando partido nem pelo luteranismo, nem pelo calvinismo. Matthew Parker (c. 1504-1575), seu escolhido para Arcebispo da Cantuária, era também o propositor de uma versão insular do protestantismo, relativamente livre das influências das disputas estrangeiras, conquanto plenamente ciente de tais questões. Sir William Cecil, seu principal conselheiro, também não era nenhum fã de modismos estrangeiros, embora se inclinasse, talvez, um pouco mais ao calvinismo do que a Rainha. Com estes três a cargo da política, o cenário estava montado para um consenso religioso moderado, "pan-protestante", que refletia a necessidade do Governo de reunir todas as três correntes do protestantismo inglês dentro da Igreja nacional. Isabel, Cecil e Parker, portanto, buscaram reunir luteranos, bucerianos e calvinistas dentro da Igreja nacional. Paradoxalmente, o que começou como uma questão de necessidade política acabou produzindo o que John Wesley descreveu como "a melhor igreja reformada da Cristandade".

No próximo artigo, nós examinaremos como isto se deu e por que é tão importante para os anglicanos continuantes preservar sua herança católica-reformada.



Nenhum comentário: