As igrejas reformadas no Brasil têm, historicamente, padecido da falta de recursos musicais adequados. Todos os hinários editados até hoje, sem exceção, padecem dos efeitos de influências de outras correntes teológicas e ideológicas não necessariamente (e algumas vezes, totalmente opostas às) reformadas. Sobretudo os hinários empregados, historicamente, pelo presbiterianismo brasileiro (Salmos & Hinos - congregacional - e Hinário Evangélico - metodista) padecem de profunda influência, a uma, do avivalismo dos séculos XVIII e XIX (em que pese a prolífica produção musical e poética, pouco dela se salva), e, a outra, do arminianismo.
Esforços foram feitos pelas principais igrejas presbiterianas no Brasil (IPB e IPI) para purgar essas influências teológicas "estranhas" de seus novos hinários oficiais, Novo Cântico (1985/1991) e Cantai Todos os Povos (2003), respectivamente. Mas sobretudo o saudosismo e um persistente avivalismo impediram a completa filtragem dessas letras (e também dessas músicas). Ora, além das acusações de arminianismo (e outras heresias mais, estas bem mais localizadas e sutis), há que se enfrentar, nos hinários, as constantes acusações de que parte de suas músicas nasceram como "música de cabaré".
Até onde se sabe, pode muito bem ser verdade que alguns hinos da época do avivalismo sejam, mesmo, música de cabaré. Os autores sacros desse movimento se valiam da música folclórica e popular, usando, no lugar de suas letras, seus próprios poemas. Em que pese os resultados positivos que isso trouxe à difusão do Evangelho, é de se notar a absoluta pobreza musical de boa parte dessas melodias. Calvino, citando Agostinho, dizia que a música a ser usada no culto ao Senhor deveria ser sóbria e majestosa.
É, portanto, a nossa intenção, compilar e produzir, mesmo que apenas online, um hinário que, distante já desses movimentos teológicos, possa resultar numa síntese depurada do que de melhor se produziu na hinódia protestante, adequando-se letras, melodias e harmonias, conforme necessário, ao contexto teológico reformado atual.
Não apenas isso. É notório que se padece, hoje, de um déficit na produção de novos hinos. A letra mais nova do NC data dos anos 1970, em um hino que trata da conquista espacial e da contemplação da grandeza da Criação pelo homem e sua pequenez ante o Criador. Talvez o CTP esteja melhor equipado nesse departamento (ainda não tive a oportunidade de adquirir um).
Assim, procuramos, a uma, um hinário teologicamente correto e, a duas, que traga, ao lado dos grandes clássicos da hinódia cristã-protestante, novas composições, que atendam e reflitam os anseios e o contexto contemporâneo.
Mas não apenas de hinos se faz a música litúrgica. A música, em sua roupagem popular contemporânea, com seus instrumentos, ritmos e linguagem poética próprios, estão absolutamente entranhados na cultura litúrgica reformada/presbiteriana brasileira, assim como no cristianismo reformado de todo o mundo. No mainstream calvinista brasileiro (excetuados, portanto, exceções curiosas e até mesmo exóticas, de igrejas que permanecem na hinódia exclusiva, ou mesmo que regrediram ao modelo puritano da salmodia exclusiva), o que se vê é a coexistência, mais ou menos pacífica, da música contemporânea com a hinódia protestante.
O problema tem sido a adoção absolutamente acrítica da música contemporânea, vinda quase que exclusivamente de grupos de teologia não-reformada (ou ainda, sem qualquer preocupação teológia apriorística). A forma de inclusão dessa música dentro da liturgia merece um artigo próprio, que eu pretendo escrever em breve.
Mas importa dizer que, passados já quase trinta anos da criação das primeiras bandas de música contemporânea de conteúdo cristão, é mais que passada a hora de uma revisão cuidadosa do conteúdo que sobreviveu ao teste do tempo, bem como do que tem sido despejado no mercado com uma velocidade absolutamente industrial.
É preciso fazer com que a moda e o mercado gospel parem de ditar o conteúdo da nossa liturgia. Eles deveriam, na verdade, ser instrumentos medidores, e não determinantes. Precisamos ser mais críticos quanto ao quê e onde cantamos qual tipo de letra e de música no culto. Por isso, o projeto que a Sociedade pela Liturgia Reformada está lançando inclui dois volumes: um Hinário e um Cancioneiro, que provisoriamente ganham o nome de reformados.
A idéia é de uma cuidadosa revisão da teologia e da música de hinos clássicos e novos, cânticos clássicos e novos, construindo um recurso valioso para todos quantos estão envolvidos na elaboração da liturgia nas igrejas reformadas do Brasil.
Eu, sozinho, não tenho a capacidade teológica e musical de fazer isso. Conto com a contribuição dos leitores, com revisões, encaminhamento de material e tantas sugestões quanto forem possíveis. O projeto ficará hospedado aqui, e eu pretendo dar mais detalhes sobre ele no meu próximo post!
Um comentário:
olá!!
A sua iniciativa é muito boa. A tempos venho lutando por uma musica reformada relevante para a nossa Igreja. Tenho reunido um pessoal para pensarmos sobre esse assunto. E quem sabe produzir musica de conteúdo reformado e contemporânea.
Se voce tiver alguma coisa, como letra para colocarmos musica estamos à disposição.
Até mais!
Fica na Paz!
Postar um comentário