sábado, 12 de julho de 2008

Presbiterato e vestes talares

Um presbítero da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil me mandou, recentemente, um scrap no Orkut, perguntando o seguinte:

Quanto às vestes talares de pastores e leigos, lembro-me (se não me falha a memória) que você indicou um "link" onde mostrava modelos das vestes. Minha pergunta é justamente o que foi discutido na comunidade "Liturgia" a respeito das vestes e o uso pelos Presbíteros, já que a vestimenta está associada ao título de quem a veste, ou seja, Reitor, Reverendo, Juiz, etc. e se para o presbítero poderia haver uma toga que diferenciasse das demais. Desde já, agradeço.



Bom, vamos por partes. O costume cristão bi-milenar é de que todos quantos tenham uma participação na condução do culto estejam trajados de modo a identificá-los como servos consagrados para essas tarefas. É por isso que em igrejas católicas romanas, ortodoxas orientais, anglicanas e luteranas, tanto os ministros como também o coro e os auxiliares (acólitos, ou "coroinhas") sempre tenham uniformes que os identifiquem como tal.

Para mim, isso não é clericalismo, ou uma negação do sacerdócio universal de todos os santos; é apenas um uniforme que identifica quem vai fazer o quê. Isso nivela os participantes, que não serão mais vistos ou identificados por seu gosto (bom ou mau) para roupas, ou pior, pelo seu nível social, perceptível nas marcas que se usa. Eu fiquei extremamente desconfortável na minha adolescência, quando participava do conjunto musical dos jovens, quando alguém da igreja comentou que parecia que só podia subir à frente e participar do conjunto quem vestisse roupas de griffe. E, se parecia, era porque era isso mesmo que se via; tirando eu, que, adolescente desleixado, só vestia calça jeans e camiseta Hering, o resto do povo (especialmente as meninas) parecia pronto para ir desfilar no shopping (que acontecia com freqüência depois do culto). Mas o que importa é que ninguém está ali para se mostrar, ou para ostentar seus gostos e posses pessoais. Por isso, o uniforme ajuda.

Mas tornemos à pergunta do amigo presbítero. Tecidas essas considerações sobre os uniformes dos servos que lideram o culto, isso fica ainda mais patente quanto aos presbíteros. Na minha infância, era comum que todos os presbíteros vestissem terno e gravata para a Santa Ceia. Até os anos 80, era uma coisa uniforme. Mas dos anos 90 para frente, quando mudou a moda no corte dos ternos, ficava aquela coisa ridícula (clique nas palavras para ver do que estou falando): ternos xadrez, quadriculados, gravatas berrantes que eram curtas demais ou compridas demais, com aquelas lapelas que chegavam nos ombros... Enfim, os presbíteros viraram motivo de riso, porque, fora de moda como estavam, pareciam palhaços! E por conta disso, abandonou-se completamente o uso do terno por eles, em todas as igrejas que eu conheço! O efeito disso é fazer parecer que os sacramentos não são mais tão importantes assim, pois para participar da sua ministração, eles estão vindo vestidos casualmente. Um presbítero (atualmente, pastor) que eu conheço, muito gente boa e cuja filha eu já paquerei (hehe), chegou ao ponto de ir de camisa havaiana florida. "Anunciais a morte do Senhor até que ele venha" passou longe desse dia...

Na minha opinião, é interessante que haja um uniforme também para os presbíteros regentes, que reflita que os sacramentos e ritos sacramentais dos quais eles participam (Sagrado Batismo, Sagrada Eucaristia, Profissão de Fé, Ordenação e, em alguns casos, a Unção dos Enfermos) são, em primeiro lugar, atos importantes na vida cristã e, em segundo lugar, atos da Igreja de Cristo (que têm o poder de ligar na terra e no céu, e desligar na terra e no céu).

Mas qual uniforme?

A toga preta no corte de Genebra tem sido reservada, como o amigo consulente mencionou, para aqueles que desempenham o papel de presidência: Reitores, Juízes e Ministros do Evangelho. Em algumas igrejas (sobretudo anglicanas reformadas), os Mestres-de-Capela, embora não sejam sempre ordenados, também a usam. Mas não tenho notícia de presbíteros regentes usando-a.

Vamos, então, nos voltar para a Igreja Cristã bi-milenar.

Na igreja dos primeiros séculos, criou-se o costume dos recém-batizados trajarem-se usando um talar branco, de mangas justas e gola redonda. Essa era a roupa mais formal em uso no Império Romano; em geral, usava-se togas mais curtas, às vezes mesmo sem mangas, como já cansamos de ver nos filmes. Essa túnica talar era especialmente formal, para uso em ocasiões especiais. Por isso, seu uso pelos recém-batizados: eles acabavam de ser incorporados à Igreja de Cristo, e isso, naqueles tempos de perseguição, parecia ter um significado bem mais forte do que hoje infelizmente se vê.

Esse traje foi uma das coisas que a Igreja Católica Romana conservou, apesar das mudanças da moda que as invasões bárbaras ocasionaram (uso de calças e calçados fechados, por exemplo...). É, ainda hoje, vestido nas igrejas (católicas e protestantes, indistintamente) que conservam a tradição cristã ocidental. É a chamada alba, ou alva (foto abaixo).



Ela não é de uso exclusivo de ministros ordenados, mas pode ser usada por todos aqueles que foram batizados em nome da SS. Trindade. Ela é, ainda hoje, usada como a primeira camada de pano dos padres católico-romanos, anglo-católicos e luteranos de high-church, e fica por baixo da casula, como eu já disse no primeiro post do blog.

Então eu creio que a alba é uma boa pedida para ser a base do uniforme dos presbíteros regentes. Mas não só ela.

Como a alba é de uso comum por todos os batizados (e eu acho curioso notar que, de todos os não-conformistas, justamente os batistas conservem o seu uso original, como roupa batismal!), talvez seja interessante adicionar um elemento distintivo, que indique à primeira vista qual a função do servo que a está usando.

Aqui, eu sou a favor do uso da estola de presbítero. Explico-me.

Na tradição da igreja ocidental, geralmente se reconhecem dois ofícios ordenados (diácono e presbítero) e um ofício consagrado (bispo hierárquico). Cada um deles tem a alba como vestimenta-base, mas cada um tem, também, acessórios que permitem identificar prontamente quem é o quê.

O bispo, por exemplo, por cima da alba veste casula e copa (uma espécie de capa), usa um chapéu conhecido como mitra e carrega na mão um cajado chamado báculo. Abaixo, uma foto do Bispo Diocesano de Paisley, na Inglaterra, e seu filho, que é deão da mesma catedral (obviamente, na Igreja Anglicana).


O diácono, por cima da alba veste a sua estola, que tem um design próprio, pendendo de um dos ombros e presa à ponta do lado oposto. Usada deste jeito, ela representa o serviço, lembrando a toalha de que o Senhor Jesus se cingiu para lavar os pés dos Apóstolos (foto abaixo).


Já a estola do presbítero (até a Reforma Protestante, não existia a diferenciação entre presbítero docente e regente) pende livremente, pendurada pelo pescoço. Ela representa o jugo do Senhor Jesus, que é suave (relembrando que "jugo" é sinônimo de canga, a peça que prende o boi para puxar o carro ou o arado). Serve também para lembrar o seu usuário de que ele é servo, e não senhor. Por isso, também prefiro as estolas simples, de tecido liso e bordado discreto, aos festivais de fios de ouro e brocados que se viam na Idade Média.

Interesante notar que, mesmo na conservadoríssima Presbyterian Church of America, muitos ministros têm trocado a toga genebrina pela alba, mantendo a estola. Abaixo, foto de dois ministros da PCA (no púlpito, o Rev. Jeff Meyers, de cujo site tenho tirado muita, mas muita coisa boa, confiram!).


Pois a minha proposta, para os presbíteros que estão a fim de adotar um uniforme, tanto para destacar a natureza eclesiástica da sua função (não é um casamento de cartório, não é uma audiência no fórum, para se usar terno e gravata) como para ressaltar a sua importância (porque não se vai de calça jeans e camiseta pólo para nada importante), é justamente essa: a alba com estola. Não está invadindo a prerrogativa exclusiva de ninguém (como seria se eles resolvessem vestir a toga de Genebra) e ainda respeita 2000 anos de tradição cristã!

15 comentários:

Thiago Velozo Titillo disse...

Eu acho fantástico a toga e a estola sacerdotal, pena que não é costume das Igrejas Batistas, mesmo as de orientação Reformada (ao menos no Brasil... não sei no resto do mundo!).

Não acredito, como alguns fantasiam, que tais vestimentas litúrgicas sacerdotais eram distintivas dos ministros da Igreja apostólica do NT, mas creio que tal inserção remonta aos primórdios do cristianismo, exatamente como elemento diferencial dos cristãos escalados para o serviço de culto (o que não deixa de ser verdade no uso de ternos hoje em dia). Mas é verdade que, com o tempo, o que deveria ser visto apenas como uma designação daqueles que participariam do serviço de culto, ganhou status de poder clerical.

Talvez os pastores e presbiteros escalados para o culto devessem usar estes aparatos e os diáconos se trajarem com terno uniforme (não extamente uniforme, mas escuro, para evitar aberrações como as colocadas pelo irmão).

Abraçoes Reformados!

Eduardo H. Chagas disse...

Thiago,

Os batistas, como os demais não-conformistas britânicos, eram bem afeitos à toga! Era uma das coisas que os diferenciava da Igreja Anglicana (anglo-reformados usam choir dress (batina, sobrepeliz, tippet e capuz), anglo-católicos usam os trajes eucarísticos).

Só depois surgiu o movimento em favor do uso das roupas comuns entre os batistas, que foi o que acabou "pegando" por aqui, com os missionários.

Pelo menos dois Martins levados em alta conta pelos batistas usavam togas: o Luther King e o Lloyd-Jones (embora este fosse um evangélico a-denominacional).

Acho curioso, engraçado até, que a toga tem feito mais sucesso entre os batistas do Sul dos EUA (e, dentre estes, especialmente entre os negros). Também é curioso que é entre os negros que a volta da teologia reformada e de práticas mais "high-church" tem feito mais sucesso com os batistas norte-americanos (Ken Collins jura que já viu alguns deles fazendo até o sinal da cruz). Algum sociólogo que explique...


Quanto à aceitação pelo povo e a acusação de clericalismo... O remédio é uma boa docência... O problema é achar gente disposta a fazê-la (e gente disposta a ouvi-la, porque "seus ouvidos não podem suportá-la")...

Rev. Francisco Belvedere disse...

Gostei muito do Blog e dos comentários. Sou pastor da Igreja Metodista e gosto de usar o Colarinho Clerical e estou a procura de alguém que faça toga Genebrina.

Creio que é mais belo o culto com ministros paramentados. Não vejo como clericalismo. Vejo como um enriquecimento do Culto.

Abraços

Eduardo H. Chagas disse...

Conservador,

De que região você é?

Só conheço um pastor metodista que usa a toga com freqüência, o Rev. Virgílio Torres, que salvo engano é de Ribeirão Preto.

Na verdade existe uma ligeira diferença entre os cortes das togas genebrina e wesleyana (afinal, elas começaram como trajes acadêmicos, e as universidades européias adoram se distinguir umas das outras por pequenas diferenças no corte dos seus trajes).

A diferença é pouca, e na verdade acho que seu alfaiate ou costureira vai agradecer muito se você preferir o corte wesleyano...


Eu ia mandar fazer uma genebra pra mim (não sou ministro, mas tenho as funções de mestre-de-capela na minha igreja), tentando extrair o modelo de fotos da internet... No fim, ganhei a toga de um pastor amigo meu, e percebi que não tinha nada a ver com o que eu imaginava...

Uma boa costureira dá conta do recado; o melhor negócio pra você é conseguir uma toga emprestada para ela estudar o modelo -- são detalhes demais para passar só oralmente ou com desenhos da frente e das costas (o pior é por dentro...).

Precisando de ajuda, pode pedir!

Um abraço!

Virgilio Cezar Torres disse...

Tenho muito orgulho em ser um clérigo que utiliza a toga com freqüência. Aliás, acho ridículo o que dizem alguns por aí, que parece coisa da Igreja Romana. Minha identidade protestante e wesleyana nada tem de romanismo. A toga é um distintivo de pastor. Uso toga e estola. Além disso, tenho uma "túnica" bege, e mandei fazer outra toga, além da preta que tenho, na cor chumbo. Mandei fazer também uma sobrepeliz mais longa, para usar com típete preto, veste mais anglicana.

Virgilio Torres+
Ribeirão Preto

Rev. Francisco Belvedere disse...

Rev.Virgilio. Sou eu, Chicão. Já estou formado.

Onde eu consigo mandar fazer uma Toga? Me mande um e-mail.

Irmão Eduardo, muito obrigado. O Virgilio é meu amigo e inckusive escreveu aqui.

Eu incsuive gostaria de uma toga com o peitilho. Gosta de indentificação do pastor como docente da Igreja e da beleza liturgica que é o ministro, coro etc. Paramentados.

Em tempo, tem pastores da Convenção Batista Brasileira, que usam o Colarinho Clerical e até mesmo a Toga.

Lucio disse...

gostaria de saber se o fato dos cristaos reformados gostarem tanto da cor preta tem a ver com a roupa de rua usada pelos sacerdotes católicos no século XVI, que acabaram herdando.
Se possivel mande uma resposta para luciommanoel@hotmail.com

Eduardo H. Chagas disse...

Na verdade esse é um engano que protestantes e evangélicos em geral costumam cometer bastante.

Os sacerdotes católicos, nem os romanos nem os orientais, JAMAIS usaram preto para celebrar a missa. Nem no passado, nem hoje, padre celebra missa trajando batina.

Mas quanto à razão das togas dos luteranos e reformados serem pretas, elas são remotamente ligadas à batina, sim.

Isso porque as primeiras universidades da Europa, na Idade Média, eram todas ligadas à Igreja Romana. Os professores eram, invariavelmente, padres ou monges, e lecionavam com suas roupas "de rua", ou seja, de batina ou hábito, que geralmente eram de cores escuras.

Os alunos, também, para serem aceitos nas universidades, eram iniciados em alguma ordem menor, com ou sem tonsura, e vestiam hábito ou batina conforme a situação.

Os hábitos e batinas dos acadêmicos acabaram sendo modificados, ganhando cortes (design) diferentes da batina romana. Mas a cor preta permaneceu.

Quando veio a Reforma, os Reformadores pararam de celebrar os cultos com as vestes coloridas da tradição romana, mas, como um indicativo de que eram devidamente preparados para poder ministrar a Palavra e os Sacramentos, passaram a usar a toga acadêmica das instituições onde se graduavam.

E a toga acadêmica se tornou o traje distintivo do ministro protestante, até que os anabatistas infiltraram suas idéias na Igreja e disseminaram o uso de trajes comuns para os ministros.

Então, respondendo a sua pergunta, indiretamente sim, existe uma relação entre a cor usada na batina romana e na toga acadêmica.

Um abraço!

Lucio disse...

Gostaria de saber se posso postar sua resposta em meu blog para dar esse esclarescimento a outros.

Lucio Mauro

Eduardo H. Chagas disse...

Claro! Fique à vontade!

Um abraço!

Taciano Cassimiro disse...

Na verdade meu comentario é uma pergunta:

Os Missionários podem utilizar " colarinho ". Por exemplo, um missionário que dirige igreja, implanta trabalhos missionários e que tem curso teologico, pode utilizar o colarinho ( em alguns lugares do nordeste é conhecido como gola de padre..rss ).
Um abraço e aguardo resposta: meu email é tacioswesley@hotmail.com e meu blog é destinado a teologia reformada introduoteologica.blogspot.com

em Cristo, Taciano

Eduardo H. Chagas disse...

Taciano,


Existe uma corrente que defende que todo mundo que exerce um ofício comissionado pela Igreja, seja ordenado ao Ministério ou não, pode usar o colarinho clerical, quando está em serviço.

Essa linha inclui, entre os "encoleiráveis":

* seminaristas, em serviço (identificados com uma tarja preta no centro do colarinho);
* diáconos, no exercício oficial da diaconia e no desempenho de funções litúrgicas;
* Evangelistas e Missionários, em serviço;
* Ministros, em todo tempo.

Abraço!

Thiago Velozo Titillo disse...

Olá, Eu de novo.

Neste final de semana, quase comprei uma linda túnica branca com uma estola também branca bordada, mas antes de o fazer, resolvi passar por aqui.

Como um vocacionado cursando o último ano do meu bacharelado em teologia, gostaria de tirar algumas dúvidas antes de arriscar qualquer investimento para o aparato que pretendo usar no ofício pastoral após conclusão do curso e ordenação.

1) Há diferença entre "toga" e "túnica"?

2) Para um ministro batista (meu caso) qual seria a melhor indicação e como os ministros batistas que fazem uso do aparato(nos EUA, pois aqui é raro) o usam?

Ps.: Lembro-me do Pastor Fausto com sua "toga" ("túnica"? é a mesma coisa?) preta e um pequeno detalhe vermelho à altura do pescoço, ministrando na PIB RJ.

3) Há alguma predileção de cor para os ministros batistas que fazem uso do aparato. O que você pode me indicar, tanto para a toga (túnica) como para a estola?

4) Quanto a modelo, corte, cor, etc., gostaria de saber qual melhor se enquadra para um ministro batista.

Aguardo retorno.

Um abraço e que Deus nos abençoe.

Eduardo H. Chagas disse...

Thiago,

Vou responder suas perguntas em um post próprio, pra poder ilustrar. Fique ligado!

Abração!

Luiz Bueno disse...

Agora que encontrei esta página, serei bom seguidor. Estou cansado de tanta ignorância liturgia que ocorre nas igrejas evangelicas e especialmente presbiterianas. Faço apologia a correta simbologia na liturgia. Preciso de outros amigos para compartilhar estas realiaddes e como quebrar os paradigmas insolentes das liturgias "sem-pé nem cabeça".