sexta-feira, 11 de julho de 2008

MORTE À TIGELINHA!


Na minha opinião, uma das coisas mais pavorosas inventadas pelos avivalistas foi o uso indiscriminado da tigela batismal. Creio que nada expressa melhor a negligência aos sacramentos dos adeptos dessa corrente teológica.



Por que eu digo isso? Porque em todas as igrejas de origem avivalista (me refiro especialmente às protestantes de missão que se instalaram no Brasil -- sobretudo as metodistas, congregacionais e presbiterianas), apesar da predominância do púlpito na arquitetura interna do templo, pelo menos a Mesa da Comunhão costumava ficar constantemente à vista do povo -- se a Santa Ceia não fosse celebrada, pelo menos a Mesa estava lá, como um lembrete constante do sacramento que nos traz à memória o sacrifício vicário do Senhor (as mais antigas, inclusive, com a gravação "Em memória de mim"). Se não era celebrado com freqüência, o sacramento ao menos se mantinha na memória do povo, lembrado pela presença constante da Mesa.

O mesmo não acontecia, em geral, com o sacramento do batismo. Criou-se, por praticidade, economia ou mesmo um estúpido anti-catolicismo, uma grande resistência ao uso de pias batismais, nas igrejas que adotam o batismo por imersão ou efusão. Salvo raríssimas exceções, a maioria delas passou a adotar aquilo que será objeto do meu total desprezo neste artigo: a tigela batismal. Na foto acima, este colunista sendo batizado pelo Rev. Gérson Pires de Camargo, na Igreja Presbiteriana Independente de Ibiporã (PR), no último dia do ano de 1984.

A tigela originalmente foi uma ótima idéia, criada para a administração de batismos de emergência, em que não costuma ser praticável (ou, pelo contrário, poderia ser perigoso) levar o candidato até o templo mais próximo para receber o sacramento. Mas nas igrejas de missão, o que se verificou é que, de exceção extremíssima, o uso da dita cuja virou a regra geral -- tanto que, fora das "catedrais", falar-se em pia batismal dentro de igreja protestante causa surpresa, estupefação e até mesmo revolta!

Mas a sua adoção tão ampla e indiscriminada esbarra em algumas questões.

Primeiro, como dissemos acima, o seu emprego é exageradamente utilitário, estética e cerimonialmente. Como dá pra ver na foto, eu ainda tive a sorte de ser batizado com uma taça de pavê consagrada para uso batismal. Mas boa parte dos meus amigos foi batizada, em outras igrejas, no que pareciam ser velhas escarradeiras de acrílico, ou pior, de lata barata pintada de dourado.

Não se tem a impressão de um instrumento especialmente consagrado para o importantíssimo uso da ministração de um sacramento da Igreja de Cristo. Porque a aparência é justamente de um utensílio qualquer, e a impressão que se tem é de que, para isso, qualquer caneca de alumínio com o emblema do time de futebol do pastor serviria tão bem quanto.

Note-se que, mesmo nas igrejas de liturgia mais baixa, no mínimo o cálice da consagração do vinho na Santa Ceia é prontamente identificável como "não é um cálice comum". E até mesmo as indefectíveis bandejas de alumínio com os abomináveis calicezinhos individuais são identificáveis com seu uso sacramental. E o sacramento do Santo Batismo, que também foi instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, por que não merece a mesma dignidade?

Segundo, porque mesmo quando é praticado em crianças, além da analogia com a circuncisão, o batismo faz analogia com as purificações cerimoniais dos sacerdotes da Antiga Aliança (que inclusive eram feitas por aspersão). E, exceto quando falta energia elétrica ou água aquecida, ninguém toma banho usando balde, tigela e/ou caneca (sim, eu já tomei, mesmo depois de crescido).

Mas acaso estão nossas igrejas em situação de constante emergência, que não conseguem se preparar para realizar um dos dois ritos mais importantes da fé cristã de forma adequada e digna, e que precise fazê-lo como se estivesse em infindável penúria ou economia de guerra?

Ora, se é pra "lavar", lave-se direito. Ou de corpo inteiro, como os ortodoxos orientais (três imersões completas, uma para cada pessoa da SS. Trindade, pra afogar de vergonha o batista mais radical), ou pelo menos tenha-se a dignidade de lavar na pia!

Terceiro, a questão da dignidade e da centralidade do sacramento na vida da igreja.

O Sagrado Batismo é o rito que marca a entrada da pessoa na igreja. Seja criança ou adulto, filho de pais cristãos ou novo convertido, pelo Batismo a pessoa é incorporada ao Corpo de Cristo (pleonasmo intencional). O batismo não é um sinal, não é apenas um ato simbólico. Como sacramento, ele carrega consigo, através dos elementos concretos, uma realidade espiritual, ou sacramental. Fisicamente, o batizado fica molhado, e logo depois é seco de novo. Mas sacramentalmente, aquela pessoa está marcada como membro da comunidade da Aliança. Passa a fazer parte dela, a receber todos os efeitos e benefícios que decorrem disso.

O Sagrado Batismo é tão importante quanto a Sagrada Eucaristia, porque é por meio daquele que se ganha acesso a esta (a menos que se considere a Confirmação/Profissão de Fé um sacramento também). E, justamente por isso, merece o mesmo destaque que recebem a proclamação da Palavra e a Eucaristia, com seus instrumentos de realização constantemente presentes e visíveis no presbitério, diante do qual, ou em torno do qual, a congregação dos santos se reúne dominicalmente para render culto ao Senhor.

Por essas razões, eu, seguindo algumas opiniões de peso (como o Rev. Carlos Alberto Fernandes e a Comissão de Liturgia da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil), rejeito o uso da tigela batismal como instrumento ordinário da ministração do Sagrado Batismo.

Também por isso, eu rejeito a posição tradicional na qual católicos romanos, anglicanos e luteranos geralmente colocam a pia batismal, no fundo do templo. É pouco prático para a congregação se reunir em torno dele, além de permanecer fora do campo de visão de todos exceto o ministro, no decorrer dos demais cultos.

O lugar da pia batismal é junto da mesa, do púlpito e da estante de leituras, no presbitério.

Para quem quer mandar fazer uma, uma sugestão: tradicionalmente, sobre um pedestal de madeira ou pedra, assenta-se uma base, também de madeira ou pedra, de formato octogonal (o formato tem um significado próprio, comprido demais para descrever aqui; em resumo, ele simboliza a eternidade, a velha e a nova criações -- em sete dias tudo foi criado; mas no oitavo, que é também o primeiro, tudo se fez novo com a ressurreição do Senhor!)

Nessa base octogonal, pode ser escavada ou encaixada a cuba da pia. Na base, também, podem ser feitas gravações; a mais tradicional delas é gravar, ou insculpir, à borda da cuba, a fórmula trinitária. É comum gravar, também, símbolos tradicionais do Cristianismo. Abaixo, exemplos de boas e bonitas fontes batismais:

Rev. José Salvador, batizando adultos na Igreja Evangélica Presbiteriana de Febo Moniz, Lisboa, Portugal. Reparem na fórmula trinitária na base da pia.


Rev. José Manuel Leite, instantes antes de molhar a cabeça do preocupado bebezinho, na Igreja Evangélica Presbiteriana do Bebedouro, em Montemor-o-Velho, Portugal. Alfa e Ômega gravados em dourado na base da pia.

Pia da Catedral (Católica Romana) do Rio de Janeiro.

5 comentários:

Giovanni Alecrim disse...

Tenho insistido nisso por onde eu passo. O Batismo não é nem mais nem menos importante que a Ceia, é igual, por isso merece um local adequado. Na Igreja onde estou ainda não temos uma pia batismal. Questão de tempo, pretendo conversar com o conselho para adquirir uma em breve. Só que você levantou um fator que pesa nessa hora: a questão econômica. Em uma Igreja onde se tem poucos recursos ou os recursos dão conta do sustento e só, fica difícil certos investimentos.

Eduardo H. Chagas disse...

Rev. Giovanni,

É; de fato, uma igreja precisa se programar bem para fazer uma aquisição desse peso. Mas é importante lembrar que, se bem feita, a pia só precisa ser feita uma única vez na vida da igreja!

Eu acho muito interessantes as formas de captação de recursos das igrejas católicas romanas no Brasil; acho que isso nós poderíamos aprender com eles.

A construção, acabamento e mobiliamento de um templo não é uma despesa "geral" da igreja (que é o que dízimos e ofertas geralmente cobrem). Então, não vejo problemas em que se façam campanhas, subscrições, livros de ouro e até mesmo quermesses (com ou sem este nome) para arrecadar não apenas entre os membros da comunidade, mas de toda a sociedade em volta, os recursos necessários a essas obras de maior vulto.

Uma senhora amiga minha costuma dizer: "nós temos a obrigação de abençoar a cidade em nossa volta; por que não deixá-la nos abençoar também?" Pra mim, o dom de contribuir, dado também aos "de fora" da comunidade da Aliança, é sinal da graça comum!

E, ao contrário de muitos protestantes, eu não teria vergonha de ver em nossos templos, sob um vitral, em uma coluna, ou mesmo no pedestal da pia batismal, uma plaquinha "Eu, Fulano de Tal e minha família, colaboramos para a instalação desta pia batismal - julho de 2008", ou "deste vitral", ou "dos bancos", ou "do acabamento da igreja".

No templo da minha, em Franca, mesmo, tem uma homenageando a família que doou os terrenos e boa parte dos recursos da construção. Qualquer dia faço um post sobre ela!

Thiago Velozo Titillo disse...

Olá,

Sou batista reformado e, assim sendo, concordo com o batismo por imersão, mas não o dogmatizo. Infelizmente associam o credobatismo ao imersionismo por causa da tradição batista, mas isso não é uma associação inevitável. Sou credobatista por não concordar com a teologia do pacto, que veio à tona quando Zuínglio teve de mudar sua posição credobatista para pedobatista por causa do Estado... Calvino desenvolveu bem esta teologia. Mas eu desconfio muito de modelos muito perfeitos. Não vemos a defesa do pedobatismo na história da Igreja através desta teologia antes da Reforma. Nenhum dos Pais defenderam o batismo infantil com base na Aliança. Defendiam-no pela necessidade da regeneração batismal.

Concordo que a Ceia não é mero memorial (A Confissão de 1689 parece defender a presença mística), e logo, o batismo também não deve ser mero simbolismo (o que a mesma confissão não admite).

Mas não vejo mal na imersão, visto que o NT exemplifica ambos modos de batismo, não havendo necessidade de ser tríplice a efusão ou a imersão, para que não invejemos a Igreja Ortodoxa, que aliás, nunca teve ligada à Roma e sempre imergiu. Se batismo é símbolo da lavagem efetuada pelo Espírito, trazendo alguma benção disso derivada, não importa a forma como esta lavagem é efetuada.

Abraços reformados!

Eduardo H. Chagas disse...

Thiago,

Eu também não sou afeito a dogmatizar a forma do batismo. A quantidade de água, pra mim, é o que menos importa. Sei bem que o uso da Igreja cristã tendeu muito mais ao imersionismo nos primeiros séculos; temos aí os batistérios, que antes do período gótico eram prédios inteiros, separados dos templos.

Quando eu falei sobre afogar de vergonha os batistas mais radicais, foi a inversão da velha piada sobre "lavar direito": os presbiterianos não lavam direito, mas os ortodoxos lavam bem melhor do que os batistas (e todos os demais protestantes imersionistas), se a gente for se apegar à quantidade de água...

É claro, a quantidade não importa, nunca importou. Porque na verdade quem batiza é Deus, com o Espírito; o ministro e a água são "apenas" tipologias sacramentais, elementos visíveis que comunicam a graça invisível, sacramental.


Mas se vamos fazer, vamos fazer bem feito, não é? A quantidade de água não importa, então se alguém batizar com conta-gotas em nome da SS. Trindade, valeu tanto quanto mergulhar na piscina, no batistério ou no rio mais próximo. E a Santa Ceia também não vale mais ou menos porque é celebrada em cálices de ouro e prata, ou em taça de vidro Nadir Figueiredo, ou mesmo em copo de requeijão (fui largamente abençoado por uma Santa Ceia doméstica celebrada assim, recentemente).

Mas se a igreja tiver condições, não vale a pena conferir maior dignidade aos sacramentos, que, afinal de contas, são ordenanças do próprio Senhor Jesus (para utilizar também a terminologia batista)? Para isso, eu acho válido tanto o utilizar as formas consagradas pelo uso milenar da Igreja, quanto empregar os utensílios da melhor qualidade que a igreja tiver condições de adquirir.

E se o melhor que a igreja tiver condições de oferecer for copo de requeijão, que seja ele também!

Thiago Velozo Titillo disse...

Concordo em gênero, número e grau, meu querido.

Amo tudo quanto confira à Igreja a seriedade que ela, como noiva do Senhor Jesus, merece.

Uma pessoa me criticou quando eu disse que uma Igreja caracterizada por uma bela mesa grafada com as palavras "em memória de mim", uma cruz, e oficiais caracterizados com vestes litúrgicas me aproximam de Deus... Se minha fé é pequena por precisar deste tipo de ambiente para estimular meu contato com o sagrado, é algo que foge da minha vontade. Mas amo este "estilo igreja" tão sumido em nossas igrejas...