sábado, 21 de junho de 2014

Reflexões a respeito da influência da tradição anglicana sobre a prática litúrgica reformada contemporânea

Existe influência da tradição anglicana sobre a prática reformada contemporânea? 


 Por Jonathan W. Williams

Originalmente publicado em The Aquila Report, 21 de setembro de 2012. Traduzido com permissão. 

Muitas novas igrejas na Presbyerian Church of America (PCA) adotaram um "estilo" de culto que incorpora muitos dos elementos da tradição anglicana em sua liturgia. Embora talvez ainda cantem "cânticos de louvor", os hinos e salmos parecem estar voltando, mesmo que com melodias que soam mais modernas, e executados em outros instrumentos além de pianos e órgãos. Talvez uma igreja plantada nos anos 1980 incluísse em seu culto teatros e dramatizações todo domingo, enquanto pode ser que uma igreja plantada hoje inclua a Comunhão todo domingo. 



A despeito do título pomposo, este não é um ensaio acadêmico (na verdade eu pensei em usar o título "Tudo o que eu realmente precisava saber sobre o culto, aprendi da tradição anglicana"). Ao contrário, é uma lista de observações aleatórias colhidas ao longo de minha vida como um leigo presbiteriano. Por uma questão de transparência, admito: um presbiteriano que por alguns meses foi membro de uma das denominações anglicanas menores, e que possui um grande apreço pela tradição anglicana. O propósito deste ensaio é começar uma discussão a respeito da influência da tradição anglicana sobre a prática reformada contemporânea, em especial no que diz respeito a igrejas plantadas mais recentemente.

Por "tradição anglicana", me refiro aos elementos que incluem, mas não estão limitados, aos seguintes: o uso de trechos do Livro de Oração Comum na liturgia do culto; confissões de pecado, declarações de perdão e fórmulas de absolvição feitas em conjunto; Comunhão todo domingo; ajoelhar-se para a oração conjunta; templos bem adornados (ainda que alguns espaços usados para o culto, por questão de necessidade, não tenham sido construídos para este fim); marcar a passagem do tempo pelo calendário eclesiástico. Pode-se, ou talvez deva-se, observar que tais elementos são muito mais antigos que a tradição anglicana (muitos escritores reformados, tais como James Jordan, Jeffrey Meyers, Peter Leithart, Michael Horton, entre outros, observaram corretamente um padrão de culto público que tem sido a norma ao longo da história da Igreja, o qual chamam de "renovação da aliança". A tradição anglicana é uma tradição de renovação da aliança. Além disso, há outras tradições que incluem tais elementos em sua prática, tais como a luterana. Mas para os reformados e presbiterianos, a tradição anglicana conserva uma afinidade muito mais próxima que as demais. Portanto, limito o meu foco ao que chamo de a tradição anglicana e sua influência.

É certo que guerras foram travadas e muito sangue derramado em séculos passados como resultado dos esforços da Igreja da Inglaterra em impor o Livro de Oração Comum sobre os presbiterianos e outros dissidentes, e da resistência destes a essa imposição. Não se pode negar que houve muitos mártires em ambos os lados, e que hoje residem na Glória sem qualquer animosidade entre si. Estando alguns séculos afastados destas guerras, podemos olhar para tais discordâncias com maior objetividade do que nossos estimados ancestrais poderiam ter em seu tempo.

Por falar em afinidade entre as tradições reformada e anglicana, há uma ligação entre as duas na pessoa do reformador de Estrasburgo, Martin Bucer (1491-1551). Bucer influenciou muitos outros reformadores, incluindo João Calvino em sua estada em Estrasburgo, antes de voltar a Genebra, bem como o Arcebispo Thomas Cranmer enquanto Bucer viveu na Inglaterra, logo antes de morrer. Não há dúvida de que Bucer exerceu considerável influência sobre a redação do Livro de Oração Comum.

Outro ponto histórico interessante é que, quando os huguenotes (calvinistas franceses) imigraram para a América (em sua maior parte para as Carolinas), a maioria deles filiou-se à Igreja Episcopal, e não à Presbiteriana, porque a liturgia da Igreja Episcopal era muito mais próxima da que estavam acostumados em sua França natal do que o culto presbiteriano extremamente puritanizado de seu tempo.

Pode ser que você tenha gostado dessas notas-de-rodapé históricas mas esteja se perguntando o que tudo isto tem a ver com as igrejas presbiterianas e reformadas do século XXI. Um exemplo bastante óbvio da influência da tradição anglicana, não apenas sobre os presbiterianos, mas também sobre outras denominações, pode ser encontrado no culto tradicional de casamento. No próximo casamento a que você for, observe as expressões que serão usadas pelo pastor e pelo casal sendo unido na bênção matrimonial. Quando ouvir o ministro dizer "Caríssimos irmãos, nós estamos reunidos na presença de Deus e diante desta congregação para unir este homem e esta mulher em Santo Matrimônio...". Ou quando você ouvir os votos do noivo: "Eu, N., recebo-te, N., como minha única e legítima esposa, para ter e manter, deste dia em diante, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, para amar e celebrar, até que a morte nos separe, segundo a santa ordenança de Deus, e assim entrego-te minha mão". Você pode agradecer a tradição anglicana, e em particular o Livro de Oração Comum, que nos entregou esta linda liturgia matrimonial que tem perdurado por séculos e provavelmente perdurará por muitos mais.

 Tenho observado que muitas das igrejas recentemente plantadas na PCA, por exemplo, adotaram um "estilo" de culto que incorpora muitos dos elementos da tradição anglicana em sua liturgia (não gosto muito da palavra "estilo" relacionada ao Culto Divino, mas vocês sabem o que quero dizer). Também preciso observar que este é o padrão predominante das igrejas de minha própria denominação, The Communion of Reformed Evangelical Churches (CREC). Embora muitas das novas igrejas da PCA ainda cantem "cânticos de louvor", os hinos e salmos parecem estar voltando, ainda que com melodias que soam mais modernas, e executados em outros instrumentos além de pianos e órgãos (o belo trabalho de Indelible Grace Music vem à mente). O clima nessas igrejas pode ser informal, mas a sensação de reverência e santidade certamente vai muito além da que se percebe nas igrejas movidas a entretenimento do passado recente (talvez muitas destas já tenham amadurecido para incorporar alguns dos elementos de seus irmãos mais novos). Uma igreja plantada nos anos 1980 talvez incluísse em seu culto teatros e dramatizações todo domingo, enquanto pode ser que uma igreja plantada hoje inclua a Comunhão todo domingo.

Os responsos congregacionais, litanias e orações nestas novas igrejas podem ser ligeiramente modernizadas, mas ainda são, muitas vezes, tiradas diretamente do Livro de Oração Comum. Depois que se canta o primeiro hino ou salmo, a congregação pode ler, de joelhos, uma oração conjunta, seguida pela declaração do perdão de Cristo (absolvição) pelo pastor. O Credo Apostólico, ou o Niceno, pode ser recitado, cantado ou entoado com entusiasmo. Após um sermão cristocêntrico, a congregação pode ser convidada a "elevar os corações" (o Sursum Corda) e responder "Ao Senhor os elevamos". Em vez de um rito de Comunhão anêmico, exageradamente introspectivo, a congregação pode cantar alegremente enquanto "come da carne de teu amado Filho Jesus Cristo, e bebe de seu sangue, de modo que nossos corpos pecaminosos sejam purificados por seu corpo, e nossas almas lavadas por seu preciosíssimo sangue, e que todos nós habitemos nele, e ele em nós. Amém" (Oração de Humilde Acesso), e celebram que "Cristo morreu; Cristo ressuscitou; Cristo voltará".

As bênçãos de um culto assim são numerosas, mas permitam-me listar três:


  1. Mesmo os mais novos filhos da aliança podem participar. Eles se familiarizarão com os responsos congregacionais, os Credos Apostólico e Niceno, a Oração do Senhor, e participarão com o restante da congregação. Pode vir o dia em que esqueceremos todos os sermões que ouvimos, os estudos bíblicos e até mesmo os nossos nomes, mas certamente nos lembraremos dos hinos dos credos e dos responsos que ouvimos tantas e tantas vezes ao longo de nossas vidas. 
  2. Há uma clara conexão com a Igreja através das eras. Congregações que não têm referências da prática litúrgica atemporal, histórica, da Igreja são navios sem âncoras em um oceano litúrgico tempestuoso. Por que reinventar a roda quando temos um precioso padrão de culto que nos foi passado pelos mártires, pais e mães, eles mesmos alimentados pela mesma liturgia? 
  3. Há um tom celebrativo, festivo, na liturgia, que não é encontrado em nenhum dos outros "estilos" de culto. É difícil especificar exatamente o quê, então recomendo que você visite uma dessas igrejas, para que descubra do que estou falando. Talvez seja a natureza dialógica da liturgia (Cristo fala e nós, seu povo, respondemos). Talvez seja a combinação dos números 1 e 2 acima. Talvez seja a realidade de que nosso Deus tem sido nosso "eterno ajudador", e será o "socorro que há de vir". Talvez seja o Glorioso Banquete ao qual o culto todo conduz. 


A influência da tradição anglicana sobre essas novas igrejas é muito aparente. É uma tendência que eu saúdo com grande entusiasmo, e gostaria de encorajar. O mundo está desesperado por algo sólido e firme, algo que tem durado por séculos e durará por muitos mais. Estas igrejas têm uma mensagem que o mundo, na providência de Deus, está pronto para ouvir. Graças a Deus!

 Jonathan W. Williams é membro da Saint Peter Presbyterian Church, em Bristol, Va., EUA.

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