sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O Culto Cristão: sua forma histórica

Editorial publicado no boletim da Ordem Litúrgica do culto do dia 31/10/2009, da Igreja Presbiteriana de Franca/SP.

Dentre todos os campos do conhecimento teológico, poucos evoluíram tanto nos últimos 100 anos como a Teologia do Culto, acompanhada pela Liturgiologia, ou seja, o estudo da forma e do conteúdo do culto que é prestado pelos cristãos, no passado e no presente.

É o desejo da Igreja Presbiteriana de Franca, nesta ocasião em que celebramos a Reforma Protestante, oferecer à nossa comunidade de fé a oportunidade de conhecer a forma com que nossos antepassados cultuavam, buscando na História as formas e atos do culto, como eram praticados nas igrejas protestantes daquela época. Por isso, temos na ordem litúrgica de hoje textos e orações que vêm da Igreja Reformada de Genebra (compostos, na sua maioria, pelo próprio João Calvino), da Igreja Luterana, da Igreja Anglicana e também de nossa igreja-mãe, a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América.

Esta é uma grande oportunidade didática e cultural, mas não se trata apenas de “arqueologismo litúrgico”, ou de uma vontade de fazer diferente apenas pela graça de fazer diferente uma vez no ano. Nosso desejo, com este culto celebrado na forma histórica, não é apenas o de dar à Igreja uma “ida ao museu”.

A forma histórica do culto não se limita à escolha da música, ao “cantar somente hinos do hinário”, ou a ter a ordem litúrgica previamente definida e escrita. Um culto celebrado na forma histórica pode muito bem incorporar cânticos e textos contemporâneos, como faremos hoje.

O que realmente define o culto histórico é a sua participatividade: o culto da Igreja dos primeiros séculos era um grande diálogo entre o ministro e o povo de Deus, oferecido para a glória do Senhor. Se uma oração era feita, o povo respondia com um “amém” cantado. Se um texto da Bíblia era lido, o povo respondia cantando um Salmo. Quando a Palavra de Deus era proclamada por um pregador, o povo respondia declarando a sua fé, usando as palavras do Credo. E, ao final, povo e ministro se juntavam em uma oração responsiva, dando graças a Deus pela salvação em Cristo Jesus, e assim partiam o Pão e tomavam do Cálice da Ceia do Senhor.

No século XVI, essa participatividade tinha sido eliminada na Igreja de Roma: o diálogo acontecia em latim, língua que poucos falavam, e apenas entre o sacerdote e o Coro, em voz baixa. Ao povo cabia apenas assistir o que acontecia e orar silenciosamente; nem mesmo a oportunidade de cantar lhe era dada; se quisessem, deveriam entrar para o Coro.

Com a Reforma, a participação do povo foi reafirmada, desde a primeira Missa Alemã de Lutero (1522): o povo ouvia a Palavra de Deus na sua própria língua, e passou a poder, também, orar a ele e cantar seus louvores, exercitando e aumentando, assim, a sua fé. O acerto dessa medida foi tão grande que, quase 500 anos depois, na década de 1960, a Igreja de Roma decidiu também adotá-la.

No entanto, com o passar do tempo, muitas igrejas da Reforma acabaram se acomodando, preferindo deixar de lado a participação do povo nas leituras, orações e na condução da ordem litúrgica. Tornou-se comum dizer que “a liturgia do povo no culto é apenas cantar”. As orações e leituras tornaram-se monopólio do pastor.
Isso se vê ainda hoje, não apenas nas igrejas protestantes históricas, mas também em muitas das novas igrejas evangélicas e neopentecostais que têm surgido: todo o culto é conduzido pelo pastor e pelo Conjunto musical. Apenas eles fazem as leituras bíblicas, as orações e, em alguns lugares, só eles cantam, ficando o povo como mera platéia da liturgia que é oferecida no presbitério, já transformado em palco com canhões de luz e gelo-seco – talvez seja a versão pós-moderna dos excessos medievais de velários votivos e de incenso, mesmo que eles não tenham noção disso.

Nas últimas décadas, porém, muitas igrejas, presbiterianas e reformadas, no Brasil e no exterior, têm redescoberto a importância de um culto celebrado não de improviso pelo pastor, nem monopolizado por ele e pelo Conjunto musical, mas preparado e executado com grande amor e cuidado por toda a comunidade de fé.

Ao fazer isso, resgatamos os ricos ensinamentos dos escritos dos Apóstolos e dos Pais da Igreja dos primeiros séculos, atualizamos com os novos desenvolvimentos da Teologia e também da música sacra contemporânea, somando a nossa fé à de nossos pais e enriquecendo a herança – teológica, litúrgica e musical – que deixaremos para as gerações seguintes.

Muitas igrejas presbiterianas têm adotado esse estilo de culto, ao mesmo tempo histórico e contemporâneo, com formas escritas em alguns pontos e com orações espontâneas em outros, com os hinos da história cristã e com a nova música de nosso tempo, como sendo o seu culto-padrão. Outras fazem ambos – um culto histórico de manhã e outro menos formal à noite, mais ao estilo “evangélico”, para fazer como disse o Apóstolo Paulo: “fiz-me de tudo para todos para, por todos os meios, chegar a salvar alguns” (I Co. 9.22).

A celebração de hoje é uma oportunidade de descobrirmos tudo isso e de repensarmos os rumos da nossa própria fé, teologia e culto. Deus nos abençoe!


Eduardo H. Chagas
Regente do Coro da Igreja


ATUALIZAÇÃO (25/07/2013): Para aqueles que têm dificuldade de baixar arquivos no 4shared, segue um link para download do boletim com a ordem litúrgica do Culto da Reforma de 2009 da Igreja Presbiteriana de Franca. Clique aqui para baixar.

3 comentários:

Virgilio Cezar Torres disse...

Bom dia, meu amigo Eduardo!
Seria interessante que você postasse, também, a Liturgia que foi celebrada nesse dia, para que os seus leitores possam "ver" como podemos ter um Culto Solene de acordo com a tradição reformada.
Um abraço fraterno,

Rev. Virgilio Torres

Virgilio Cezar Torres disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Eduardo H. Chagas disse...

Boa ideia, Rev.

Segue a liturgia do 31 de outubro de 2009. Vou incluir o link no post também.

https://mega.co.nz/#!o0NACIrR!Gw5QFkgBemFrTqth_YgUjQwq2_ZM6sOZFXq5BvM57M0