segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Sobre togas e túnicas

Nos comentários do post Presbiterato e vestes talares, Thiago Titillo deixou perguntas que eu acho que valem um post próprio. Vamos a elas!


1) Há diferença entre "toga" e "túnica"?

O que se vende na maioria das lojas brasileiras de paramentos com o nome de "túnica", geralmente é a alba. Veja: na Caminho da Lux, Arte Sacro, Cordis, D&A Paramentos, Casa do Clero, Paramentos Santa Inês etc.

Como disse no outro artigo, a alba é historicamente a roupa de todos os cristãos batizados, e especialmente nos meios batistas isso é verdade, porque é costumeiro em muitos lugares que o pessoal seja batizado usando uma versão adaptada da alba. Ela enfatiza o Santo Batismo como o início da vida cristã. E creio que, para um batista, isso fala fortemente.



A toga, como já dissemos várias vezes também, enfatiza por outro lado o papel de docência do ministro, porque é um traje acadêmico na sua origem e natureza. Abaixo, procissão acadêmica em Princeton:


A estola, quando usada (seja sobre a alba, seja sobre a toga), representa a investidura da Igreja, o reconhecimento que ela faz de que esta pessoa foi vocacionada por Deus para ministrar a sua Palavra e os seus Sacramentos/Ordenanças. O pastor não está ali só porque quer, ou porque é bonito, charmoso ou carismático. O pastor foi vocacionado, chamado por Deus para uma missão. A estola é a marca dessa vocação. Aqui, o Rev. Sean G. Walters recebe a estola, após a imposição de mãos do pastor sinodal, na Christ Lutheran Church, em New Castle, Pensilvânia (EUA):



Afora o significado por trás da toga e da túnica/alba, os cortes e os tecidos usados são bem diferentes.

A alba costuma ser feita de um tecido leve (porque os católicos usam toneladas de outras coisas por cima dela). Por isso, ela é bem adequada pra qualquer clima. Recomendo as de fibra natural, especialmente linho e algodão. Amarrotam e são horríveis para passar a ferro, mas ao contrário do poliéster, tecidos naturais RESPIRAM! Geralmente ela tem uma gola alta e você não precisa se preocupar com o que veste por baixo. Se estiver calor, uma camiseta branca já resolve! Outra vantagem é que o desenho é fácil de pegar, a maioria das costureiras pode fazer uma pra você pela metade ou menos do preço das lojas de paramentos.



A toga, por sua vez, é por natureza uma roupa pesada. Vão uns 6 a 7 metros de pano na confecção do modelo genebrino, e precisa ser um pano pesado pras pregas ficarem legais. Pra se ter uma idéia do drama, esta foto foi tirada do blog de uma moça, agora doutora em ciências da computação, que resolveu fazer sua própria toga quando terminava seu doutorado. A toga ainda não estava pronta:


Crepe ou oxford são o que as grandes fábricas americanas usam. Elas oferecem lã fria também, que dá um caimento infinitamente superior (e acredite, conforto térmico também), mas triplica o preço. Ela é tradicionalmente feita com uma gola em V, então você precisa usar uma camisa clerical, ou camisa e gravata, por baixo. E não é qualquer costureira que vai encarar um projeto desses. A senhora que fez a do meu tio, pastor da IPI graduado em Londrina, jura que nunca mais quer ter de fazer um pregueado desses na vida.

Uma alternativa é o modelo do talar luterano, bem mais simples, leve e econômico (tá, mais ou menos). E se for feito na medida certa, não mostra a camisa que você usa por baixo:



Atualização, 17/10/2011: É bom esclarecer que esse modelo de talar não é exclusivo dos luteranos. Reformados e congregacionais europeus (inclusive batistas) usam sempre esse mesmo modelo.
2) Para um ministro batista (meu caso) qual seria a melhor indicação e como os ministros batistas que fazem uso do aparato(nos EUA, pois aqui é raro) o usam?
Ps.: Lembro-me do Pastor Fausto com sua "toga" ("túnica"? é a mesma coisa?) preta e um pequeno detalhe vermelho à altura do pescoço, ministrando na PIB RJ.

Bom, os batistas como os conhecemos hoje são meio que dissidentes do congregacionalismo britânico (Confissão de Fé de Londres etc.). As togas que eles usavam eram as mesmas dos ministros congregacionais e presbiterianos de lá, que eram as das universidades onde cada ministro se graduava. 



As togas britânicas em geral são abertas na frente e nas mangas, o que exige que se vista batina por baixo delas (ou, mais recentemente, terno e gravata). Esse é o visual típico dos ministros da Igreja da Escócia e da United Reformed Church:


Com o pequeno detalhe que os Moderadores das Assembléias Gerais das igrejas presbiterianas britânicas e irlandesas usam uma toga decorada com borlas, e muitas vezes, batinas de cores diferentes:




Atualmente, alguns ministros começam a abandonar a toga e usar só a batina [e estola], com peitilho.




Atualização, 17/10/2011: Enquanto isso, outros britânicos se bandeiam pro sistema americano, que padroniza o corte das togas acadêmicas. Essa toga padronizada, que vendem nos EUA com o nome de Geneva, é o modelo que nós conhecemos melhor aqui no Brasil: gola em V, normalmente vestida fechada, sem batina por baixo, mas com gravata, camisa e calça sociais, ou camisa de colarinho clerical. (Vale lembrar que em Genebra, como no resto da Europa, usam o modelo do talar alemão, não a Geneva americana).




Então, considerando principalmente que nós fomos missão das igrejas americanas, que foi deles que nós herdamos as nossas togas (os poucos de nos que as usamos), o mais usual  no Brasil é puxar pro sistema americano. Assim, com uma Geneva preta normal (com ou sem a orla em veludo) você não estaria fora da linha. Quem já tem doutorado pode usar a toga doutoral, que pode ser o que seu pastor usava. Mas leia a resposta da sua pergunta 3.

Também há precedente nos EUA para quem quiser usar a alba. Mas entre os batistas que usam trajes litúrgicos, a turma da alba é uma minoria BEM reduzida (exceto, claro, em dia de batismo!).

Quem usa toga, pode ou não pode usar estola junto. Quem usa alba, sempre usa a estola. E há por todos os lados quem faça o "meio-termo" e use toga branca, com ou sem estola (embora, na minha opinião, isso deixe o cara parecido com o Rev. Lovejoy...



3) Há alguma predileção de cor para os ministros batistas que fazem uso do aparato. O que você pode me indicar, tanto para a toga (túnica) como para a estola?

Ao contrário do que eu disse anteriormente, não existe uma cor ou modelo de toga essencialmente batista. Qualquer toga preta, especialmente a Geneva, vai te deixar bem. Os batistas que fogem disso costumam usar as togas de suas graduações acadêmicas (a orla em veludo segue a cor do curso -- e as cores nos EUA não são as mesmas nossas).

Exceto, é claro, pelos pastores batistas negros. Esses encaram o que tiver de mais colorido e chamativo no catálogo. É da cultura deles. Aliás, foram eles que resgataram o uso de paramentos litúrgicos considerados "católicos", como batinas, casulas e até mesmo os trajes episcopais, para dentro da tradição batista americana. Abaixo, Rev. David R. Scott, da Emmaus Road Missionary Baptist Church, College Park, Georgia, EUA:


De qualquer forma, dê uma olhadinha no catálogo da Murphy para ter uma idéia. Tirando os modelos Geneva e Wesley, praticamente tudo o que tem lá foi pedido de algum batista que a empresa botou no catálogo.

4) Quanto a modelo, corte, cor, etc., gostaria de saber qual melhor se enquadra para um ministro batista.

Como já disse, é impossível errar com uma Geneva preta. Especialmente se você for usar estola, já que nem todas as cores de estolas combinam com qualquer cor de toga. Mas há essa tradição batista de usar toga azul, que vem dos pastores com PhD (azul é a cor da toga de PhD). Alguns acharam bonito e copiaram, mesmo sem ter essa pós-graduação.

Se você for usar estola, tem todo aquele código para as cores segundo o calendário litúrgico, que raríssimos batistas adotam:


  • Festas Cristológicas (Natal, Páscoa, Ascenção, Cristo Rei), Domingo da Trindade e casamentos: Branco, com ou sem detalhes em dourado, ou dourado mesmo (nas festas cristológicas).
  • Comemorações do Espírito Santo e da Igreja (Pentecostes, ordenações, Profissões de fé e batizados, aniversário da igreja local, Reforma Protestante) e na Sexta-feira da Paixão: Vermelho
  • Tempos Penitenciais (Quaresma, funerais e ocasiões de clamor da Igreja que exijam contrição, jejuns e oração, como desastres naturais, guerras etc.): Roxo. No Sábado Santo e em funerais há a opção de usar preto ou nada.
  • Advento: Azul
  • O resto do ano: Verde.

Enquanto/se sua igreja não adotar o Calendário Litúrgico, você se vira muito bem com uma estola dupla-face branca e vermelha. Branco serve para qualquer ocasião (todo domingo comemoramos a Ressurreição de Cristo!), exceto "dias vermelhos". Em funerais e tempos de penitência, pode ir sem estola, se estiver de toga.

Se optar pela alba, use branco. Anda uma modinha de usar aquela cor meio encardida que a mulherada chama de "ecru", mas a alba se chama "alba" porque é branca! Fuja também dos modelos com renda demais. Fica horrível. E, se for usar alba, precisa usar estola junto (menos, claro, na hora de ministrar o Batismo... não é saudável pro bolso ficar molhando essas estolas com bordado em fio de ouro...)

Mas por favor, independentemente da sua escolha entre alba e toga (e modelo de toga), use calça social e sapatos pretos por baixo. Nada grita mais "DESLEIXO!!!" do que uma calça jeans surrada e tênis branco aparecendo por baixo de trajes talares (coralistas, estou falando com vocês também!). E jamais, JAMAIS cruze as pernas quando estiver trajando talares.


Acima, professores da Faculdade de Matemática Aplicada da Universidade de Washington (EUA).

6 comentários:

Anônimo disse...

Gostei bastante das informações,estão bastante claras e certamente úteis aos reformados brasileiros que fogem dos paramentos achando-os em ligados ao rito judáico.
Um abraço;
bispo Rogerio
Pequena Igreja Apostólica Reformada

Unknown disse...

Olá Reverendo!

Sou pastor da Igreja Metodista, morando em SP. Gostaria de saber se o senhor sabe me indicar onde eu poderia comprar on-line ou ainda encomendar uma toga.

Por favor, mande-me por e-mail: ftathiago@yahoo.com.br

Jorge Martins disse...

Olá, prezado Eduardo Chagas.

Não conhecia o Blog e achei muito boa a iniciativa e trabalho.

Gostaria de contribuir com a reflexão para uma prática litúrgica da igreja, tendo por base e principalmente, os referenciais biblico-teológicos e históricos como o calendário cristão de liturgia. Caso queira aprofundar a idéia, faça contato no e-mail: jorge.tecnet@gmail.com

Segue também, endereço do meu Blog:http://www.teologiacrista-cristianismo.blogspot.com/

Abraços.

Pr. Andriel Cleber disse...

Graça e paz!

Prezado irmão diletante da liturgia e da estética, pq vc não mostra em um dos post fotos dos detalhes de uma toga genebrina e/ou o croqui da mesma para àqueles que desejarem fazerem uma?

Pr. Andriel

Unknown disse...

Resposta de pergunta feita sobre uso de gola clergyman por PRESBÍTEROS dirigentes de congregações.

Prezada ESTER,


Boa tarde! Que a paz de Deus esteja com você!

Que bonita preocupação a sua! Essa atitude tão zelosa é realmente inspiradora.

De fato, em nossa denominação (IPIB) a camisa clerical, com o colarinho clerical, é usada apenas pelos ministros ordenados.

Em nossas "Ordenações Litúrgicas" (Diretório Para o Culto a Deus) nada é dito a respeito das vestimentas litúrgicas. Já no "Manual do Culto" da IPIB, às páginas 367 e 368, há uma pequena seção dedicada às vestes litúrgicas. Ali, ao falar especialmente da roupa do ministro (pastor), menciona-se o uso da toga, da estola e da camisa e colarinho clerical.

Na Igreja Reformada, nas igrejas mais litúrgicas, leigos (como, por exemplo, os presbíteros regentes e os demais membros da igreja) podem usar veste litúrgica especial (no caso, a "alba", a "toga branca") para o dia de seu batismo, de sua profissão de fé ou ainda em seu sepultamento (!). Há também a prática em algumas de nossas igrejas de os leigos usarem togas ou estolas que os identificam como membros de um coral.

De qualquer forma, não é nossa prática o uso de camisa e colarinho clerical por presbíteros regentes.

É isto! Muito grato por sua consulta.


Rev. EMERSON
Secretaria de Música e Liturgia.

Cristian Tomé Bergamin disse...

Sou luterano e ultimamente na IELB que é minha congregação os pastores costumam usar apenas alba e estola. Eu, particularmente, prefiro a batina preta exclusiva luterana, que mostra acima, é uma identificação denominacional penso eu