terça-feira, 16 de junho de 2009

Culto neo-avivalista

Por P. Paul F. Bosch

Eu tive a experiência, em meses recentes, de comparecer aos cultos de paróquias de duas denominações radicalmente diferentes.

A primeira, foi em um culto de verão do que se pode chamar de uma denominação cristã do mainline¹. Não irei identificar nem a paróquia, nem a denominação; irei chamá-la, simplesmente, de Culto A. Mas esta era, sem dúvida, uma congregação protestante solidamente mainline, como os metodistas ou a Igreja Unida [do Canadá; união das igrejas Presbiteriana, Congregacional e Metodista ocorrida em 1925. N. do T.] - mas não era uma igreja de nenhuma dessas denominações, especificamente. O culto não era informado ou moldado pela tradição Palavra-Sacramento das "Três Grandes" tradições litúrgicas do Ocidente (Católica Romana, Anglicana ou Luterana).

A segunda, que eu também não irei identificar, chamarei simplesmente de Culto B; foi em um culto de verão do que se pode chamar, talvez, de um grupo de livres-pensadores radicalmente pós-protestante, à esquerda dos quacres e menonitas na escala que eu mencionei na Edição 24. É um grupo que provavelmente se recusa a se chamar de "igreja", com muitos de seus componentes relutantes em se identificar como cristãos.

Mas o que me chamou a atenção foi a similaridade da ordem de culto, nos dois casos. Havia diferenças significativas, claro. O Evangelho estava mais claramente evidente no Culto A; nem tanto no Culto B, como se poderia esperar. Essa é a maior diferença. E, creio, para alguns, isso é tudo o que se precisaria saber. o Culto A é claramente "evangélico". O Culto B, não tão claramente.

Um aparte: nos dias do pós-Segunda Guerra Mundial, quando o Conselho Nacional de Igrejas estava sendo formado nos EUA, foi Franklin Clark Fry, uma voz luterana nas deliberações, que argüiu que grupos como "B" deveriam ser excluídos. Se este é para ser um Conselho de Igrejas, Fry argüiu, que seu compromisso com o Evangelho, que suas credenciais cristãs sejam claras para todos.

Aparte número 2: Ademais, eu tenho sérias dificuldades hoje em dia de identificar a chamada "Direita Cristã" como "evangélica", como fiz notar na Edição 108. "Evangélico" significa ter algo a ver com o Evangelho, com as Boas Novas de Deus em Cristo. E ultimamente eu ouço muito pouco de "boas novas" vindo da Direita Cristã. O que vem, geralmente, é lei. Ouve-se muito pouco do "sim" de Deus, e quase sempre um "não" bem humano.
Mas eu hesitaria em dizer que B era totalmente não-evangélico, completamente desprovido das Boas Novas de Deus. Eu, de fato, vislumbrei o Evangelho lá, mesmo que talvez apenas na hospitalidade dos congregantes e na acolhida cordial que o pastor deu a mim, um estranho. Mas eu falava sobre a ordem do culto. Nas duas assembléias, o culto transcorreu de formas bem similares, seguindo o padrão que um amigo meu chama de "o sanduíche de hinos": Hino, leitura, hino, oração, hino, ofertório, hino, sermão. Com o sermão sendo o esperado clímax e conclusão do culto.

Compare-se essa ordem com a nossa, das igrejas do tipo palavra-e-sacramento, que está bem disposta em nosso novo manual de culto, Evangelical Lutheran Worship: Reunião, Palavra, Sacramento e Envio. São ações participativas, atos comunitários. Claro, salmos, hinos e cânticos são uma parte importante de cada uma dessas ações. Mas são atos corporativos, coletivos. Não dá pra fazê-los sozinho. Você é convidado para atuar. Para se tornar não um observador, mas um participante, um ator no palco.

Certamente, mesmo em A e B eu pude perceber um certo sentido de participação. Mesmo que apenas no cantar dos hinos - com letras bem diluídas em B - eu me senti incluído, como participante. Mas não havia muito senso de coletividade em qualquer dos cultos, A ou B. Eu estava participando, em ambas as igrejas, em um exercício relativamente individual.

Essa sensação que eu tive de uma abordagem mais individualista do culto, em detrimento de uma mais comunitária, foi intensificada pela arquitetura de ambos os locais de culto. Fileiras e mais fileiras de bancos que só te deixam olhar para as nucas das outras pessoas. Parecia que se estava interagindo apenas com o pregador, porque a cara dele era a única que se via. É claro, a mesma crítica - que o culto é uma experiência individual e particular, em vez de uma comunitária e coletiva - pode ser levantada também contra uma igreja da tradição palavra-e-sacramento em que a disposição dos assentos dificulte a interação mútua.

E, em ambas as igrejas, A e B, faltava um sentido de sacramento, de encarnação, da matéria da criação amorosamente tomada como um veículo para que o celestial invada minha vida. Então, me peguei perguntando a mim mesmo: de onde vem tudo isso, o culto no modelo sanduíche-de-hinos?

Certamente não de raízes na tradição palavra-e-sacramento. Lá, a ordem é ação, é encarnação. Ela exige moléculas, matéria do mundo criado: pão, vinho, água. E ele é ao mesmo tempo participativo e comunitário.

Certamente não das fontes do Oficio Diário - Oração Matutina e Vespertina. Lá, também, uma estrutura de culto participativa e comunitária é, ao menos, implícita, senão explícita.

É daqui que veio o padrão desse culto: do avivalismo de fronteira americano do século XIX.

Então, dou um nome para isso: Neo-avivalismo. E farei uma afirmação dura: a maior parte dos cultos protestantes contemporâneos é neo-avivalista em estrutura, modelo ou forma. Uma série de sanduíches de hinos culminadas com um sermão. Você vai para escutar uma palestra. A única coisa que parece faltar dos tempos do avivalismo de acampamento são os apelos.

Agora, se há Evangelho lá, como havia em A, isso não é o bastante? A resposta, do ponto de vista da tradição da palavra-e-sacramento é não, isso não é o bastante. Também precisamos daqueles sinais visíveis da encarnação, do sacramento, daquelas moléculas de pão e vinho e água. Também precisamos daquele sentido de participação coletiva. Também precisamos daquela percepção de que todos os presentes estão convidados para participar como elementos insubstituíveis nesse louvor. O culto neo-avivalista deixa a desejar nesse tipo de integralidade universal, católica. Confira a Edição 29.

Como um amigo e mentor dizia, a verdade mais plena sobre Deus não se resume em uma palavra, mas em duas: Palavra e Sacramento.

Agora, não se diga que os neo-avivalistas não são pessoas amáveis. Elas são. Tanto em A como em B. São o tipo de gente com quem você gostaria de almoçar. "eu mesmo fui um neo-avivalista em minha juventude". Mas minha esperança - minha oração - é a de que, um dia desses, eles passem a apreciar uma maior universalidade, uma mais plena catolicidade no culto.

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¹. Mainline: As grandes denominações protestantes de imigração na América do Norte - Presbiterianismo, Metodismo, Congregacionalismo, Luteranismo, Anglicanismo e algumas vertentes batistas. Destacam-se por uma maior abertura a (e, freqüentemente, o envolvimento em) mudanças políticas e sociais, e oposição ao conservadorismo evangélico e ao fundamentalismo político e religioso. N. do T.

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O P. Paul F. Bosch é ministro da Igreja Evangélica Luterana do Canadá e professor de Liturgia nos seminários da denominação.

Originalmente publicado em Lift Up Your Hearts, publicação eletrônica da Evangelical Lutheran Church in Canada, n.º 134, dezembro de 2008.

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