segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Manual: Culto Público, Rito 2

Prosseguindo com o projeto do Manual do Culto da SLR, estamos publicando o Rito 2 para a celebração do Culto Público.


Conforme a introdução do texto:

Este rito busca resgatar a forma do culto público adotada pelas igrejas reformadas da linhagem continental (suíça, francesa, holandesa, húngara e belga). Serviram de fontes documentais diretas, além das orações registradas por Calvino, através do livro de Charles W. Baird, as formas atualmente adotadas pelas seguintes igrejas: Eglise Réformée de France, Reformed Church in America, Reformed Church in the United States, Christian Reformed Church of North America e Canadian Reformed Church.
Embora dotado de menor cerimonialidade e ritualismo do que o culto cristão histórico, o culto reformado, em sua forma tradicional, é uma reunião mais sóbria e solene do que aquela. É um culto mais informativo do que dialético; a ênfase nas ações da congregação é menor do que no culto cristão histórico; nele, torna-se mais importante ouvir e aprender de Deus do que prontamente responder a ele. Isso se faz notar no menor número de responsos congregacionais; mais freqüentemente, o ministro e os oficiantes individuais são quem “emprestam sua voz” ao povo, que participa com seu “amém”, bem como entoando, em resposta à iniciativa divina, salmos, hinos e cânticos.
Conquanto o uso da forma cristã histórica da Grande Oração de Ação de Graças na celebração da Sagrada Eucaristia esteja se disseminando entre as igrejas reformadas, pode ser recomendável o uso da forma tradicional calvinista de ministração deste Sacramento em situações penitenciais, como os tempos da Quaresma e do Advento, bem como em épocas e situações de especial gravidade em que seja pastoralmente recomendável o uso desta forma mais sóbria.

ATUALIZAÇÃO (12/01/2009)

Os ritos já publicados podem ser encontrados aqui!

Opiniões e críticas são sempre bem-vindas!

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A igreja dos meus sonhos

Em um tópico da comunidade da Igreja Presbiteriana do Brasil no Orkut, alguém propôs que descrevêssemos as igrejas dos nossos sonhos. Tanto quanto à teologia, práticas litúrgicas e pastorais e até mesmo o tipo e número de pessoas que a freqüentariam.

Eis com o que me saí:

Denominação: Igreja Protestante Reformada do Brasil/Igreja Presbiteriana do Brasil

Confissão:
Belga/Helvetica Posterior

Orientação teológica:
Neo-ortodoxia barthiana

Arquitetura:
Gótica, românica ou neoclássica; templo em forma de cruz; o coro fica em um dos transeptos (os "braços"), o conjunto, no outro. No presbitério, apenas o púlpito, a Mesa, a Pia Batismal e a estante de leituras. Vitrais retratando passagens bíblicas. Uma cruz céltica prateada, com disco dourado, na parede. Acústica que dispensa microfonação. Anexo Administrativo, Edifício de Educação Religiosa e Casa Pastoral seguindo a mesma linha arquitetônica do templo.

Pastores:
Um só ministro, graduado em curso reconhecido pelo MEC e pós-graduado em curso reconhecido pela CAPES.

Membresia:
200 a 300 membros, de variadas faixas etárias e níveis sociais.

Liturgia:
Cristã histórica, com rito de entrada, penitência, liturgia da Palavra (todas as leituras do Lecionário, sermão preferencialmente baseado no Evangelho), liturgia eucarística (completa, com Grande Ação de Graças, toda semana) e ritos de intercessão e de envio.

Todo o serviço é dirigido de trás da Mesa, exceto pelas leituras, o sermão e a ministração do Sagrado Batismo.

Paramentação: para o ministro, toga genebrina preta, camisa clerical, peitilho (barrister tabs) e estola. Para presbíteros e diáconos (quando desempenharem função litúrgica), alba e estola do respectivo ofício. Mesa, púlpito e estante de leituras decorados na cor da respectiva estação (assim como as estolas). Sobre a Mesa, duas velas e uma estante para a Bíblia/ordem litúrgica.

Coro trajando sempre becas com acessórios nas cores litúrgicas apropriadas.

Costumes:
Dentro do templo, reverência absoluta. Templo ou capela anexa sempre abertos para visitação e oração durante a semana. Fora do templo, especialmente no salão social, descontração também absoluta.

Música:
No culto, estilos variados, desde o canto gregoriano até o pop-rock. As letras não podem jamais ser mantras repetitivos sem conteúdo; cada letra deve ser uma verdadeira aula de teologia em verso.

A igreja teria um Mestre-de-Capela, músico contratado, de formação superior, encarregado de todo o programa musical, acumulando as funções de Organista Titular, Regente Titular do Coro e Chefe de Departamento do Conjunto. Também seria de sua responsabilidade ministrar aulas de música aos interessados (subsidiadas em parte pela igreja, em parte pelos mesmos), mantendo sempre um bom número de músicos bem treinados entre os membros.

Fora dos horários de culto, uso do órgão e do templo para concertos. Uso do Auditório/Salão Social para outros eventos culturais, como cursos e espetáculos de dança, teatro e música contemporânea.

Instrumentos: Órgão de tubos (pequeno, 1500 a 2000 tubos no máximo, com dois manuais e pedaleira), piano, guitarra, baixo e bateria (estes últimos, com seus vocalistas, presos num aquário de acrílico isolado com captação, e o volume sempre no mínimo necessário para ouvir direito).

Escola Dominical: Com divisão etária até os adolescentes. Jovens e adultos em classes conjuntas, com opções de temas básicos, intermediários e avançados. Aulas sólidas, baseadas em pesquisa bibliográfica, nada de leitura de revista.

Perfil missionário: Ênfase em serviço social, educação e plantação sistemática de congregações. Rejeição ao modelo das megaigrejas.


Qual o sonho de vocês?

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Catedral Evangélica de São Paulo

Cumprindo uma promessa que eu fiz faz dois meses, vou relatar minha experiência na Primeira IPI de São Paulo, que é, senão administrativamente (ainda), ao menos afetiva e arquitetonicamente, a Catedral Evangélica de São Paulo.

Antes de falar sobre o culto que eu assisti por lá, alguns comentários sobre minha experiência com essa igreja, em geral. Fui pra lá participar do XX Seminário de Música Sacra da SOEMUS (no meu entendimento, a maior publicadora de música sacra do Brasil, não apenas entre os protestantes).

O Seminário, coordenado pela lenda viva, Rev. Mst.º João Wilson Faustini, divide-se em aulas, com variados módulos (regência coral básica e avançada, acompanhamento de coro e congregação para músicos, técnica vocal etc.), e também em prática coral. As aulas foram ministradas no monumental (senão pela arquitetura, que é bem International Style, ao menos pelo tamanho) Edifício Eduardo Carlos Pereira. À primeira vista, eu acreditava que, como ocorre na minha igreja, em Franca, o imóvel fosse um prédio comercial de propriedade da igreja e alugado a diversos escritórios, servindo como fonte de renda. Qual não foi minha surpresa ao saber que não, que todos os trabalhos desenvolvidos no ECP são da própria igreja, incluindo uma escola de música com uma impressionante orquestra. E isso reflete diretamente na qualidade da música litúrgica da Catedral. Mais sobre isso adiante.

Eu disse que a Catedral ainda não é a sede administrativa da IPI em São Paulo; existem planos (não sei se já implementados) para se centralizar a administração do Presbitério de São Paulo no alto do ECP. Se isso não tornar a Primeira IPI em uma Catedral de pleno direito, não sei o que mais tornaria!

O ECP ainda abriga a Capela da Catedral, um pequeno e simpático (embora exageradamente zwingliano) santuário. Mesa central, púlpito lateral, um órgão eletrônico (litúrgico, com pedaleiras e manuais completos, nada dessas coisinhas que a gente é obrigado a tocar no interior) e um piano. Queria ter tirado uma foto da capela, mas não pude por falta de tempo.

Também de interesse para mim foi o salão social da Catedral. Não sei se é o caso, mas ele tem exatamente a cara de (conforme o costume presbiteriano) ter servido como templo antes da construção do próprio. Portas e janelas em arco ogival, motivos decorativos em gesso e cimento, janelas em vidro colorido. Por dentro, uma galeria atrás e uma plataforma elevada na frente, que certamente se presta como coro/presbitério. Logo abaixo dele, um piano meia-cauda, que acusa sua idade com orgulho. O salão me pareceu pequeno para o tamanho da congregação da Catedral, mas aparentemente, não é mesmo costume dos nativos ficar de papo e cafezinho depois do culto. Por motivos óbvios que eu vou narrar adiante.

Entre o ECP e o salão, uma quadra poliesportiva relativamente bem conservada, embora carente de uma arquibancada. Não me parece ser usada com freqüência, também.

O templo em si é impressionante, a começar pelo tamanho. É o maior templo protestante que eu conheço (megaigrejas pentecostais não contam, primeiro porque não são protestantes, e segundo, porque não são construídas como templos, e sim como auditórios).

Estilisticamente, o prédio imita o estilo gótico francês por fora. Imita, porque, afinal, ele é construído em tijolo, cimento, ferro e concreto; os elementos decorativos são enchimento de gesso e cimento. Não que isso seja um demérito, ao contrário, no Brasil, qualquer inclinação arquitetônica de uma igreja protestante a um estilo apropriadamente religioso só pode ser louvada! E tudo pintado de um branco impecável (a foto acima é antiga; eu fui logo depois da conclusão de uma reforma geral).

Internamente, o nártex (hall de entrada) é impecavelmente gótico, com o teto em abóbadas ogivais. Na nave, encontramos uma marca que é muito mais patente no gótico inglês: um teto reto de madeira trabalhada, envernizada (laqueada, talvez) e bem polida.

O prédio segue o esquema geral de construção em cruz, em três camadas verticais; nível do chão, trifório e clerestório. No nível do chão, encontramos janelas altas. No trifório, uma galeria que começa na área sobre o hall de entrada e estende-se sobre as laterais da nave, tomando também os transeptos. E janelas no clerestório.

Exceto por algumas janelas de vidro transparente na galeria, todas as demais são belos vitrais com motivos florais (certamente uma concessão da época aos pendores puritânicos comuns em São Paulo -- e todos sabemos como os puritanos abominam arte figurativa, mesmo que seja de passagens e personagens bíblicos...).


Curiosamente, os vitrais podem ser abertos, ajudando na ventilação do lugar. Não que costumem ser necessários; a combinação de pé-direito alto e revestimentos de pedra lisa ajuda a manter uma temperatura constante e agradavelmente fria.

O Presbitério é elevado em quatro degraus (será que é pra evitar o três, comum nas igrejas romanas, ou é pra facilitar a vista do povo?). Nele, temos o púlpito do lado esquerdo (tenho fotos antigas da Catedral em que ele ficava na posição central comum às igrejas puritanas). No centro, a Mesa do Senhor com um número absurdamente grande de cadeiras. Ao fundo, na ábside, a jóia da Catedral: um órgão Austin (Opus 353) de ação eletropneumática, de 1911. Dois manuais de cinco oitavas e uma pedaleira completa. Não anotei as especificações de registração, mas a organista me fez notar que não há registros de 32 pés, apenas alguns de 16 no Grande e na pedaleira (e mesmo esses, para caber, são curvos). Mais detalhes podem ser vistos no site da Catedral.

Bom, sobre o culto da Catedral. Vou seguir o esquema dos relatórios do Mystery Worshipper, do site Ship of Fools, embora eu fosse tudo menos anônimo nesse culto.

O boletim desse domingo, com a liturgia, pode ser encontrado aqui.

A Igreja: Catedral Evangélica de São Paulo (Primeira Igreja Presbiteriana Independente)
Denominação: Igreja Presbiteriana Independente do Brasil
A vizinhança: A Catedral fica no "canto leste" da Consolação, em São Paulo, perto da Praça da República (e respectiva estação do Metrô).
Elenco: Revs. Abival Pires da Silveira, Elizeu Rodrigues Cremm e Valdinei Aparecido Ferreira, além de duas simpáticas diaconisas e alguns presbíteros.
Dia e hora: Domingo, 31 de agosto de 2008, 10h45.

Qual foi o nome do culto?
Culto das 10h45, 22.º Domingo do Tempo Comum. Era, também, pelo calendário presbiteriano, o Dia do Pastor, o que causou uma confusão engraçada: os paramentos do templo eram verdes, mas os ministros estavam de estolas brancas!

Quão cheio estava o prédio?
A nave estava cerca de 70% ocupada. A galeria geralmente só é aberta para cultos especiais.

Alguém lhe cumprimentou pessoalmente?
Eu estava acompanhado de um dos presbíteros da igreja, que me apresentou a um monte de gente e aproveitou para fazer propaganda deste blog...

Seu banco estava confortável?
Tanto quanto se espera de um banco de igreja com assento em madeira, sim.

Como você descreveria o ambiente antes do culto?
Nós chegamos em cima da hora, mas as pessoas pareciam chegar aos seus lugares, cumprimentando e conversando pouco e baixo com quem encontravam.

Quais foram, exatamente, as palavras iniciais do culto?
Conforme o boletim, foi o intróito Povo Santo, de M. A. Campra, arranjo e versão brasileira de J. W. Faustini. Seguiu-se uma oração doxológica extemporânea pelo Rev. Abival.

Quais livros foram usados pela congregação?
A Bíblia mais comumente usada no presbiterianismo brasileiro é a Almeida, Revista e Atualizada, da qual havia vários exemplares nos bancos. A IPIB usa seu hinário oficial, Cantai todos os povos, mas as letras de todos os hinos estavam no boletim.

Que instrumentos musicais foram utilizados?
Órgão de tubos e orquestra (formação sinfônica tradicional).

Alguma coisa o distraiu durante o culto?
Meu hiperativo anfitrião fazia comentários constantes sobre a qualidade da liturgia e o andamento do culto. Em geral, bastante engraçados.

O culto foi engessado, saltitante, ou o quê?
Seminaristas e detratores em geral chamam o culto da Catedral de "missa". Certamente é a liturgia presbiteriana mais elaborada da cidade de São Paulo, bastante formal. Mas fluiu naturalmente, sem a teatralidade que trai quem "não é, mas tenta ser" litúrgico.

Qual foi a duração do sermão?
Coisa de uma meia hora.

Em uma escala de 1 a 10, qual a nota do pregador?
7; A mensagem foi teologicamente sólida, mas eu não sou exatamente um fã de alegorias na pregação.


Em suma, sobre o quê foi o sermão?
Nós devemos ter na Palavra de Deus a nossa segurança, assim como o alpinista põe a sua nos grampos cravados na rocha.

Que parte do culto foi como estar no céu?

O simples fato de poder participar de um verdadeiro culto high church foi o ponto alto do meu mês, quiçá do meu ano. A organista manda muitíssimo bem, e a seleção musical do dia foi excelente. Poder cantar um dos antemas com o coro foi muito legal, também.


E qual parte foi como estar... tipo... no outro lugar?
Eu realmente não gosto de sermões alegóricos. Foi o único ponto negativo.

O que aconteceu quando você ficou lá com cara de perdido?
Meu anfitrião não deixou isso acontecer... Ainda me conseguiu dois números da revista oficial da Catedral, com bons artigos sobre história e teologia. Minha viagem de volta para Franca foi bastante instrutiva!

Como você descreveria o café depois do culto?
A Catedral parece não ter esse costume, visto que o culto das 10h45 acaba por volta da 1 da tarde... Todo mundo volta correndo pra casa ou pro restaurante mais próximo. Eu corri pra filial mais próxima da tradicional Padaria Sta. Efigênia, já que tinha um ônibus pra pegar mais tarde.

Como você se sentiria em fazer dela a sua igreja, de 0 a 10?
10! Se eu morasse em São Paulo, talvez apenas a Igreja Luterana fosse um páreo duro para a Catedral.

O culto lhe fez sentir-se feliz em ser cristão?
Com certeza!

Diga uma coisa da qual você certamente vai se lembrar ao longo da semana.
O som do órgão de tubos. Aquele final de semana foi, afinal, minha primeira vez ouvindo um!

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Manual de Culto da SLR

Adaptado (pra variar) de uma discussão na comunidade da Igreja Presbiteriana do Brasil, no Orkut:

Já se suscitou com veemência a necessidade da elaboração de um Manual do Culto de uso oficial para a IPB, que aborde as necessidades e tendências contemporâneas de todos os segmentos, de todo o espectro litúrgico-ideológico da nossa Igreja.

(N. do E.: o Manual da IPI é excelente, mas vá sugerir sua adoção na IPB...)

O manual atual não é nem oficial, como bem notou o Rev. Carlos Alberto Chaves Fernandes. Foi um guia para o uso dos líderes leigos, formulado pelo Rev. Modesto Carvalhosa, que recebeu uns extras e acabou sendo publicado pela CEP na falta de outro melhor no Brasil. Vale lembrar o que o Dr. José Ávila também já lembrou: os ministros que vinham dos EUA, sobretudo os da Igreja do Norte, usavam o Livro de Oração Comum (anglicano) como manual, de modo que eles já tinham uma formação litúrgica apropriada.

Mas como a ligação da IPB acabou sendo (como ainda é) mais forte com a Igreja do Sul, esta bem mais puritana e menos afeita a rituais elaborados, acabamos herdando o culto avivalista de fronteira destes últimos.

Interessante lembrar que o movimento de resgate litúrgico da Igreja do Norte (atual PCUSA) começou no fim do século XIX com o interesse e a dedicação de um único homem, o presbítero Benjamin Comegys.

Ele foi um pesquisador dedicado, tanto que um presbiteriano da old school (essencialmente, neo-puritanos) disse da biblioteca dele: "Um estranho que visitasse a sua biblioteca provavelmente concluiria que seu proprietário era um ministro da Igreja da Inglaterra, visto que poucos clérigos deste país, mesmo os da Igreja Episcopal, possuem uma biblioteca de liturgia tão completa.".

Esse presbítero, inspirado pela leitura do livro Eutaxia, or the Presbyterian Liturgies: Historical Sketches ("Eutaxia, ou As liturgias presbiterianas: esboços históricos"), de Charles Baird, (em que discretamente tentava introduzir suas idéias litúrgicas, tentando não se encrencar com os puritanos da Casa Editora da denominação -- coincidência?) começou a rascunhar um guia litúrgico para a igreja.

O livro de Comegys conseguiu despertar a simpatia de muitos ministros e igrejas, mesmo não tendo a chancela da obrigatoriedade.

O calendário cristão, a maior ênfase no culto como ato global (em detrimento da centralidade da pregação) e o resgate da importância dos sacramentos passaram a fazer parte da ordem do dia da PCUSA.

Logo, a igreja revisou seu Diretório de Culto e, posteriormente, editou um novo Book of Common Order, permitindo o uso de liturgias mais elaboradas, com numerosas sugestões de ordens de culto e orações comuns (em detrimento das orações extemporâneas que eram a "jóia da coroa" do culto puritano).

Nada foi imposto, o movimento ganhou impulso por si só!

E inspirado na saga (narrada com mais detalhes aqui, por um presbiteriano da Old School) desse heróico presbítero, eu queria lançar um esforço comunitário para editarmos um manual próprio nosso, que atendesse às necessidades do nosso tempo e a todas as linhas presentes na IPB (e nos demais ramos conservadores do cristianismo reformado brasileiro)!

Penso em algo nos moldes do LOC da IEAB: vários capítulos, com ordens de culto que atendam às diferentes linhas litúrgicas presentes na IPB. Lá, geralmente o Rito 1 é anglo-reformado e o Rito 2 é anglo-católico. O nosso poderia ser nessas linhas:

Rito 1: Culto Cristão na tradição bimilenar, com as formas clássicas ocidentais da Liturgia da Palavra e Liturgia da Eucaristia;

Rito 2: Culto no modelo Reformado europeu, baseado nos modelos genebrino, huguenote e no da Igreja Reformada americana (de herança húngara);

Rito 3: Culto no modelo do Diretório de Westminster;

Rito 4: Culto no modelo puritano/avivalista;

Rito 5: Adaptação do modelo contemporâneo, com linhas e instruções gerais para não se perder a identidade reformada.

E a mesma coisa para os sacramentos e atos sacramentais:

Eucaristia 1: Liturgia completa com Grande Ação de Graças;
Eucaristia 2: Rito simplificado, com Oração Eucarística, Pai Nosso e fração na Instituição;
Eucaristia 3: Ordem para a comunhão dos enfermos e outras situações extraordinárias.

Batismo 1: Liturgia completa com Ação de Graças;
Batismo 2: Rito simplificado;
Batismo 3: Rito de batismo de emergência.

Confirmação 1: Liturgia completa para a Profissão de Fé;
Confirmação 2: Rito simplificado.

Ordenação 1: Liturgia com cerimonial completo para a ordenação de ministros e oficiais da Igreja;
Ordenação 2: Rito simplificado;
Imposição de mãos: Rito para a posse e instalação, com imposição de mãos, de diretorias de sociedades internas e outras lideranças não-ordenadas da Igreja.

Matrimônio 1: Rito completo para a realização da cerimônia religiosa com efeitos civis;
Matrimônio 2: Cerimônia religiosa sem efeitos civis (casal que já casou ou está para casar em cartório, em ato separado);
Matrimônio 3: Rito simplificado para situações extraordinárias (casamentos campais etc.).

Unção dos enfermos: Rito reformado de intercessão com unção dos enfermos.

Ofício Fúnebre
E capítulos extras com instruções sobre arquitetura (externa e interna), formas de organizar e executar o cerimonial equilibrando a formalidade com a linguagem contemporânea, além de sugestões diversas de coletas, orações, formas de intercessão, um lecionário...

Vamos discutir?

ATUALIZAÇÃO (12/01/2009):

Os materiais já publicados do Manual podem ser encontrados para download aqui!

domingo, 17 de agosto de 2008

Anunciar a morte do Senhor

Por Jeffrey Meyers

(leia o original aqui)

Na minha apresentação no Colóquio da Assembléia Geral [da Presbyterian Church of America, N. do T.] sobre os sacramentos, eu argumentei a favor de uma experiência mais alegre e comunitária na Mesa do Senhor. Will Barker deu uma breve e generosa resposta ao meu artigo, sugerindo que há lugar para uma experiência mais solene à Mesa. Ele se baseou na afirmação de Paulo em I Coríntios 11.26, "Pois toda vez que comerdes do pão e beberdes do cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele venha." Eu creio que a réplica de 10 minutos do Dr. Barker será postada em breve.

Há, aqui, algumas coisas a serem pensadas. Primeiro, eu admito que pode haver ocasião e lugar para uma celebração mais solene e sóbria da Ceia. Dependendo do que tiver acontecido ou estiver acontecendo com a congregação, pode ser apropriado. A igreja pode ter uma celebração mais moderada da Ceia imediatamente após a morte de um membro querido, ou da excomunhão de um irmão ou irmã, ou talvez em qualquer época em que a congregação como um todo precise velar ou arrepender-se de algo. A primeira vez que a igreja de Corinto se reuniu para a Mesa do Senhor depois que a carta de Paulo foi lida para a congregação provavelmente não foi uma experiência muito alegre. Eu não tenho problemas com cultos eucarísticos solenes, celebrados ocasionalmente. Pelo menos uma vez no ano, na quinta-feira da Paixão, a ceia provavelmente deveria ser celebrada assim.

Em segundo lugar, "anunciar a morte do Senhor" não é a mesma coisa que velar a sua morte, ou pior, tentar reviver as circunstâncias da sua morte. "Anunciar a morte do Senhor" pode significar, de duas, uma: Por um lado, pode ser uma referência ao fato de que as Boas Novas da morte de Jesus sejam proclamadas toda vez que comemos do pão e bebemos do cálice. A Santa Ceia é uma atuação pública da aplicação da morte de Jesus ao povo de Deus. O fato de que esta "proclamação" acontece quando comemos do pão e bebemos do cálice significa que não é apenas uma representação ou dramatização da morte de Jesus. Comer e beber não têm como ser consideradas representações simbólicas da morte. Comer e beber estão ligados à vida e ao viver!

A morte de Jesus aconteceu. Está no passado. Nós viemos à Mesa, onde já estão o pão e o vinho. O corpo e o sangue estão separados, o que significa que a morte aconteceu. No sistema sacrificial do Antigo Testamento, o sangue sempre deveria ser separado do corpo da vítima. Nós vimos à Mesa que foi aspergida para nós, porque Jesus já morreu. Nós, agora, colhemos os benefícios da sua morte. A morte de Jesus não pode ser re-dramatizada à Mesa. Nós podemos apenas desfrutar dos resultados da morte de Jesus - seu corpo e sangue dados a nós como alimento. Novamente, é uma mesa, e não um túmulo.

Em terceiro lugar, a outra interpretação de I Coríntios 11.26 é a que eu prefiro. A Ceia do Senhor é uma refeição memorial da aliança. Por meio da Ceia a igreja rememora a morte de Jesus, para o Pai. Compreendida no contexto dos "memoriais" do Antigo Testamento, esta refeição memorial da Nova Aliança é uma oração ritual dramatizada, relembrando a Deus de sua aliança. A Santa Ceia é o rito memorial da Nova Aliança. É o cumprimento de todos os antigos meios que o Senhor instituiu, pelos quais seu povo invocava o seu Nome e dramaticamente o pedia para que se lembrasse de sua aliança. Todos os memoriais da velha ordem estão agora cumpridos e completos (consolidados) em uma única e simples refeição memorial da aliança. Jesus diz: "Fazei isto em memória de mim".

À mesa, nós rememoramos a morte de Jesus. O sentido não é o de nós simplesmente a recordarmos, mas sim de nós relembrarmos a Deus das promessas de sua aliança para conosco. É da nossa ação com relação a Deus. É a nossa prece a Deus, o lembrar-se de Jesus e de manter sua aliança. Nós anunciamos ao Pai a morte do Senhor, pedindo-lhe para que mantenha as suas generosas promessas em Cristo. No caso da Santa Ceia, essa rememoração é um ato da congregação, uma declaração das promessas de Deus. Isso vem à tona nas orações de ação de graças (no grego: eucaristia) e de memorial antes da distribuição e comunhão do pão e do vinho, mas não se limita a elas. De fato, a refeição memorial inteira anuncia a morte de Cristo, como Paulo afirma em I Coríntios 11.26: todas as vezes que comemos do pão e bebemos do cálice, anunciamos a morte de Cristo.

Essa "proclamação" não se limita à oração ou ao partir do pão, mas ainda rememoramos Cristo ao Pai por meio da refeição comunitária. Eis o memorial do sacrifício redentivo de teu Filho, ó Senhor; lembra-te dele e sê generoso para conosco. Tradicionalmente, essas orações sempre incluíram um resumo da vida e da obra de Jesus Cristo. Uma oração eucarística deveria soar algo assim:

É verdadeiramente correto e apropriado que rendamos graças a ti sempre e em todo tempo, ó Senhor, nosso Pai Celeste, Deus Eterno e Todo-poderoso. Mas é especialmente próprio que nós, agora, reunidos diante desta Mesa, rendamos graças a ti pelas tuas generosas promessas em Cristo. Lembra-te, ó Pai, do nascimento humilde de Nosso Senhor, de sua vida santa, de seu sofrimento inocente; e de sua morte e de sua ressurreição e ascenção por nós. Sê fiel em cumprir tua aliança conosco por amor de Jesus, e vem agora alimentar-nos e capacitar-nos para servir o teu Reino. Pelo teu Espírito Santo, faze o corpo e o sangue de Nosso Senhor alimento vivificante para o teu povo; em nome de Jesus nós oramos. Amém.


Uma oração eucarística assim, unida à realização da Santa Ceia, anunciam a morte do Senhor (I Coríntios 11.26) para o Pai. A refeição toda é uma oração dramática, uma afirmação das promessas do Pai pela memória do nascimento, vida, paixão, morte e ressureição de seu Filho por nós.

Tudo isto para dizer que a nossa proclamação da morte do Senhor à Mesa não exige nem implica em uma atmosfera solene, funérea, da Santa Ceia. A morte de Jesus deve ser proclamada com alegria, seja para os outros (como anúncio do Evangelho), seja para o Pai (como memorial da obra de Jesus por nós).

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Presbiterianos & Liturgia, parte 10.

O efeito anti-litúrgico do imediacionismo e do individualismo na moderna soteriologia calvinista norte-americana (2)

Por Jeffrey Meyers

(Continuação da parte 9)
(Leia o original aqui)


Pelo menos um terço das Institutas de Calvino é dedicado à doutrina da igreja (Livro IV). A doutrina de Deus, do homem, de Cristo e da salvação, todas culminam no Corpo místico do qual Cristo é o Cabeça. Essa "alta" teologia eclesiástica pode ser encontrada em todos os reformadores do século XVI (confira AVIS, Paul D. L., The Church in the theology of the reformers. Atlanta: John Knox, 1981) e especialmente na teologia reformada do começo do século XVI (confira a ótima exposição em MACGREGGOR, Geddes. Corpus Christi: the nature of the Church according to the Reformed tradition. Philadelphia: Westminster Press, 1958). É nesta comunidade de carne e osso santos, diálogo oral, rituais materiais e sacramentos físicos que nós nos encontramos com Deus. Calvino avisa:

Portanto, aquele que quer encontrar Cristo, deve primeiro encontrar a Igreja. Como alguém saberia onde estão Cristo e sua fé, se não souber onde estão seus seguidores? Aquele que quer saber alguma coisa de Cristo não deve confiar em si mesmo, ou construir seus próprios caminhos para o céu por sua própria razão, mas deve dirigir-se à Igreja, visitá-la e lá perguntá-lo (...) pois fora da Igreja não há verdade, não há Cristo, não há salvação.

Se isso nos soa estranho ou simplesmente errado, é porque nós fomos infectados com uma mentalidade gnóstica. O Espírito fala através da Noiva (Ap. 22.17). Quando Jesus convoca as sete igrejas a ouvir o Espírito, ele quer que elas ouçam a voz de seu pastor/mensageiro enquanto ele lê a carta que é endereçada a cada uma (Ap., caps. 2 e 3). A primeira parte do Livro IV das Institutas trata "da necessariedade da igreja". Ao falar do material e bem visível corpo dos crentes na terra, Calvino diz:

(...) porque é nossa intenção, agora, discutir a igreja visível, aprendamos do simples nome "mãe" o quão útil, e de fato necessário, é que nós devamos conhecê-la. Pois não há outro modo de se chegar à vida, senão se essa mãe nos conceber em seu útero, nos dar à luz, nos nutrir em seu seio, por fim, a menos que ela nos mantenha sob se cuidado e direção até que, deixando a carne mortal, nos tornemos como os anjos. Nossa fraquea não nos permite sermos dispensados de sua escola até que tenhamos sido alunos por toda a vida. Além disso, longe de seu seio ninguém pode ter esperança de qualquer perdão de pecados, ou de qualquer salvação (Institutas, IV.I.4).

É de se notar que Calvino não está falando de uma igreja invisível, "espiritual", mas da própria comunidade física dos crentes, que se reunem para servirem-se uns aos outros se serem os meios pelos quais Deus serve, pelo falar, o ouvir, o cantar e o orar por e em favor uns dos outros. De certa forma, a igreja é o mais preeminente dos meios de graça (confira LEITHART, Peter. Against "Christianity": for the Church; bem como o seu Sociology of infant baptism, dos quais ambos se encontram em Biblical Horizons: Christendom Essays, n. 100, dez. 1997, pp. 29-50 e 86-106).

Então por que tantos têm medo disso? Uma das idéias mais nocivas já lançadas no cristianismo reformado é essa noção de que Deus normalmente comunica a sua presença imediatamente [no sentido de "sem mediadores", N. do T.] à alma do homem, desviando-se de todos os meios externos, físicos. Sim, é verdade, e é parte do ideário da teologia reformada, que o Senhor é livre para operar fora dos meios constituídos, em casos extraordinários. Mas isso significa apenas que o Senhor ordinariamente trabalha da forma como prometeu, através dos instrumentos que ele mesmo apontou para comunicar sua graça, quais sejam, pela instrumentalidade das palavras audíveis de seus ministros, pela água do Batismo, e pelo pão e pelo vinho da Comunhão. Há, é claro, circunstâncias extraordinárias, nas quais não se limita àqueles meios o poder e a graça do Senhor. Mas por que é que nós deveríamos fazer uma "teologia das exceções"? Nós não podemos dizer que o Batismo tem qualquer efeito por causa do argumento do bandido da cruz? E do bebê que morre antes de chegar à pia? Fazer teologia apelando apenas para as exceções nos deixaria com uma compreensão muito empobrecida dos sacramentos.

Nós deveríamos, como pastores reformados, afirmar que os meios normais, ordinários, pelos quais Deus comunica as suas dádivas são, de fato, aqueles que ele mesmo constituiu, não outros além ou em torno deles, e muito menos sem eles! Esse é o modus operandi normal de Deus. O Espírito Santo normalmente opera através dos instrumentos físicos e humanos que ele mesmo ordenou. Do contrário, as promessas que são vinculadas a esses meios são enganosas e mesmo traiçoeiras.

Entender a promessa do Espírito Santo de usar os meios determinados pelo Senhor como instrumentos para entregar as dádivas do Reino é uma das marcas da eclesiologia sacramental reformada de Calvino. Por que não cremos no que Deus nos prometeu? Por que nos ofendemos em pensar que Deus realmente cumpre a sua promessa no Batismo? Ou na Ceia do Senhor? Ou no serviço da Palavra por meio dos que ele deu ao Ministério da Igreja? Um dos meus professores em Concordia diz: "Nós, pessoas modernas, não mais encontramos o Espírito Santo ele deveria ser buscado... não entendemos mais o elo prometido do Espírito Santo com os meios externos de graça, e talvez nem mais queiramos ouvi-lo. (NAGEL, Norman. Externum Verbum, Logia 6. Trinity 1997, pp. 27-32). Calvino diz assim, ao comentar João 20.23 e o comissionamento dos discípulos como ministros do Evangelho:

Agora vemos o motivo pelo qual Cristo emprega termos tão grandiosos, para elevar e adornar o ministério que ele confia e entrega aos Apóstolos. É para que os crentes possam ser plenamente convencidos de que o que eles ouvem a respeito do perdão dos pecados está ratificado e não pode ter menos valor a reconciliação que é oferecida pela voz dos homens, do que se o próprio Deus estendesse sua mão dos céus. E a igreja recebe diariamente o mais abundante benefício dessa doutrina, quando percebe que seus pastores são divinamente ordenados para que sejam certeza da eterna salvação, e que não se precisa ir longe para buscar o perdão dos pecados, que é confiado aos seus cuidados. (Commentary on the Gospel according to John, v. 2, trad. William Pringle. Grand Rapids: Baker, 1981, p. 272)

sábado, 9 de agosto de 2008

Presbiterianos & Liturgia, parte 9

O efeito anti-litúrgico do imediacionismo e do individualismo da moderna soteriologia calvinista norte-americana.

Por Jeffrey Meyers.

(continuação da Parte 8)
(leia o original aqui)


Parece que, para que esteja resguardada a soberania da obra de Deus, nós freqüentemente pensamos que devemos remover todos os meios, toda a mediação e, de fato, toda instrumentalidade da humanidade e da criação, e confinar a obra da salvação e da santificação a operações particulares, não mediadas, do Espírito sobre a alma do indivíduo homem.

Teólogos e pastores reformados são particularmente suscetíveis a esse erro por causa da influência indevida do livrinho de B. B. Warfield, The plan of salvation (Philadelphia: Presbyterian Board of Publications, 1915). Antes mesmo de dizer alguma coisa sobre o livro, deixem-me já rebater as já esperadas críticas dos fãs de Warfield. Ele foi um ótimo teólogo bíblico e sistemático. Não duvido disso nem por um minuto. Eu mesmo me beneficiei muito das suas obras. Essa é a primeira coisa a dizer.

A segunda é que eu não estou preocupado tanto com a teologia de Warfield em geral, mas com o que está expresso nesse livreto, O plano da salvação. Muita gente não tem contato com Warfield, senão por esse livro. Eu sei que isso é verdade especialmente para boa parte dos seminaristas. Meu problema é que esse livrinho, ao contrário do restante da obra de Warfield, apresenta um retrato muito mal tirado da sua teologia e, portanto, da teologia calvinista dos sacramentos, da liturgia e da igreja.

Sem fornecer um mínimo de prova escriturística, Warfield afirma que "a fé evangélica significa precisamente a dependência imediata da alma de Deus, e de Deus apenas, para a salvação" (p. 66, ênfase minha). Qualquer teologia que "separa a alma do contato direto com, e da dependência imediata de Deus, o Espírito Santo", é chamada de "sacerdotalismo".

Isso é perturbador. Se esse livrinho for tomado isolado do restante da obra mais aprofundada de Warfield, então isso conduzirá o leitor a se libertar da Reforma magisterial, especialmente da insistência luterana e calvinista de que Deus de fato usa instrumentos humanos (água, pão, vinho, a voz de outros seres humanos etc.) para comunicar-se a si mesmo e sua graça a seu povo.

O conceito warfieldiano de um calvinismo purificado como consistindo da imediação da obra do Espírito na alma do homem era mais motivada, temo eu, pelo seu preconceito contra os sistemas sacramentais de Roma e Cantuária do que por uma leitura cuidadosa das Sagradas Escrituras. Isso continua sendo um problema em rodas reformadas.

Warfield argumenta que a imediação é a essência da fé reformada e a própria realização da religião bíblica.

Pelo contrário, eu argumentaria que a noção não-bíblica da imediação é o calcanhar de Aquiles do calvinismo americano. Por que nós sentimos que seria uma indignidade o Espírito Santo ligar-se a si mesmo a meios externos tão inexpressivos como as palavras familiares proclamadas pela sepulcral voz de um pregador de carne e osso, ou o pão e o vinho da Ceia, ou a água do Batismo? Não será por causa de um falso espiritualismo, uma espécie de gnosticismo que se infiltrou no nosso pensamento enquanto cristãos? Uma noção estranha, não-bíblica, de que o Espírito deve operar na alma do homem sem o uso de meios ou instrumentos externos? Onde esto está ensinado na Bíblia?

A verdadeira essência da religião bíblica é, talvez, a coisa mais difícil a ser reaprendida por nós, modernos cristãos espiritualistas. Estamos tão acostumados a pensar em termos de corpo e alma, carne e espírito, físico e espiritual como sendo opostos, que deixamos de compreender que a plena magnitude do amor de Deus reside no fato surpreendente de que o Filho de Deus veio a nós em carne, e que o Espírito Santo generosamente liga-se a si mesmo aos meios de graça. Negar isso é derrapar para uma forma de gnosticismo.

Phillip Lee argumenta convincentemente que o protestantismo norte-americano em particular tem, talvez inadvertidamente, abraçado uma espiritualidade gnóstica (Against the protestant gnostics. Oxford: Oxford University Press, 1987). Acho que ele está certo. Os reformados modernos não gostam de liturgia porque acham que ela introduz um indesejado "intermediário" entre Deus e a alma individual. Esse monte de coisa só serve para complicar. Não precisamos disso. Afinal, se eu tenho contato espiritual direto com Jesus, pra quê eu vou precisar dessas outras coisas materiais?

(Continua)

domingo, 3 de agosto de 2008

Jesus, o partir do pão e Santa Ceia

Adaptado da homilia da abertura da Escola Dominical da Igreja Presbiteriana de Franca, de 3 de agosto de 2008.

O Evangelho de hoje (S. Mateus 14.13-21) é um texto conhecidíssimo. O título que a Sociedade Bíblica do Brasil deu para essa passagem, é “A primeira multiplicação dos pães”. Graças a Deus, nem a divisão dos capítulos e dos versículos, que, em muitos textos, varia de estranha a ridícula, e nem os títulos que as editoras dão, são parte da Bíblia, porque estão cheias de erros.
Mas eu chego nisso mais adiante. Para entender esse texto, nós precisamos examinar também o contexto dele. Verso 13. “Jesus, ouvindo isto, retirou-se dali num barco”. Ouvindo o quê? Vamos voltar para o começo do capítulo. Os versos 1 a 12 falam da morte de João Batista e dos motivos por trás dela.

João Batista era um profeta, no sentido verdadeiro da palavra: ele anunciava a Palavra e a vontade de Deus, sem se importar com quem isso pudesse incomodar. E incomodou. O Rei Herodes estava tendo um caso com a cunhada, esposa do seu irmão; João foi acusar o seu pecado e acabou preso. Herodes não queria matá-lo, porque o povo o tinha em alta conta.
Eu acho interessante o paralelo que isso tem com o catolicismo popular do interior do Brasil, especialmente no sertão do Nordeste. Toda vez que aparece por lá alguém que consegue cativar o povo com a sua pregação, e especialmente se essa pregação é contra a imoralidade dos poderosos, logo esse alguém vira profeta, e santo, e logo depois começam a aparecer histórias de que essa pessoa fazia milagres e tudo o mais. Padre Cícero, Antônio Conselheiro, entre outros mais. A mistura de miséria do povo com corrupção dos poderosos deixa o povo propenso a criar e alimentar essas figuras.

Na Palestina do século I era a mesma coisa. Povo miserável, com governantes corruptos que estavam vendendo os seus países para Roma, em vez de se arriscar a resistir. Foi nesse contexto que despontou João Batista. Mas João Batista só tinha uma missão, que já tinha sido dada pelo profeta Isaías, séculos antes: preparar o caminho do Senhor. João Batista foi o precursor de Jesus.

Pois bem. João estava preso, mas Herodes não queria matá-lo com medo de um levante popular. A sua amante, então, mexeu os seus pauzinhos e manipulou Herodes, que acabou tendo de mandar matar João Batista e lhe trazer a sua cabeça numa bandeja.
Como será que Jesus ficou quando recebeu essa notícia? Primeiro, não era um simples conhecido que tinha acabado de morrer. Era seu primo, amigo de infância, que ele conhecia bem, desde antes de nascer.

Segundo, porque isso lembrou o Senhor Jesus de qual era a sua missão na terra. Logo em breve ele sabia que ia encarar o mesmo destino de João Batista. Ser profeta, anunciar a vontade de Deus e denunciar a corrupção dos homens, especialmente a dos poderosos, nunca foi um negócio saudável em Israel. Em várias passagens o Senhor Jesus falou sobre isso, que profeta não tem honra na sua própria terra, e que Israel sempre fez questão de desprezar, maltratar e não raro matar aqueles que Deus, com toda a paciência e amor, mandava para dar mais uma chance ao seu povo de se corrigir.

Então Jesus deu uma prova da sua humanidade: ele se retirou. Precisava digerir essa notícia, precisava repensar seu próprio ministério. Precisava ficar sozinho com o Pai, sendo consolado pelo Espírito. Várias vezes nós vemos o Senhor Jesus fazendo isso. Bem capaz de, se a gente colocar nesses programas de busca de texto, achar umas duas dúzias de vezes essa expressão “retirou-se dali”, só nos Evangelhos.

O Senhor Jesus pegou um barco e procurou um lugar deserto; ele precisava de um tempo sozinho. Mas as multidões, aquelas mesmo que Herodes temia que fossem se revoltar, iam seguindo por terra o barco de Jesus, que viu isso tudo. O povo. Inconstante, capaz de aclamar alguém num dia, vaiar no outro e depois morrer de remorso, ou nem se importar. Quando se está em multidão é que se é mais humano, é que a humanidade mostra as suas melhores qualidades e os seus maiores defeitos.

Jesus viu isso. E não se irritou com a falta de privacidade diante desses paparazzi, nesse momento de luto, de tristeza e de pesar. Ele viu o povo que o seguia desesperado. E se compadeceu deles. Em vez de fugir, ele desembarcou. Curou os doentes, pregou para eles.
Ao cair da tarde, a história a gente conhece bem. O povo com fome, os discípulos em pânico, querendo despachar o povo para que se virassem para comer, Jesus manda que eles mesmos alimentem o povo.

Eu acho curiosíssimos os inesgotáveis paralelos da Bíblia. No seminário, os estudantes gastam anos inteiros estudando como encontrar esses paralelos e o que eles significam; a exegese de final de curso de um tio meu, que é pastor da Primeira IPI de Manaus, por exemplo, foi sobre a estrutura quiástica de uma única passagem do Evangelho de Lucas, e rendeu sozinha mais de 50 páginas.

E nessa passagem, eu quero destacar alguns paralelos, também.

Primeiro, porque essa pode ter sido a primeira multiplicação dos pães operada por Jesus, mas está longe de ser a primeira que se viu na Bíblia. No 2.º Livro dos Reis, 4.42-44, vemos um relato parecidíssimo, protagonizado por Eliseu. Eu vou ler:

“Veio um homem de Baal-Salisa e trouxe ao homem de Deus pães das primícias, vinte pães de cevada, e espigas verdes no seu alforje. Disse Eliseu: Dá ao povo para que coma. Porém, seu servo lhe disse: como hei de eu pôr isto diante de cem homens? Ele tornou a dizer: Dá-o ao povo, para que coma; porque assim diz o Senhor: comerão, e sobejará. Então, lhos pôs diante: comeram, e ainda sobrou, conforme a palavra do Senhor”.

Outros paralelos que nós encontramos têm a ver com o costume do próprio Jesus de dar graças pelo alimento. Nós vemos isso várias vezes, em momentos importantes. Aqui, na primeira multiplicação do pão: Jesus ergue os olhos aos céus, abençoa os alimentos, ou dá graças por eles, no relato de Marcos, parte os pães e dá aos seus discípulos.
Mateus 15.36, Marcos 6.41, Marcos 8.6, Lucas 9.16, João 6.11. Todos usam essa mesma estrutura: Jesus eleva os olhos para o céu, dá graças, abençoa o pão, parte e dá aos seus discípulos.

Mas há outras ocasiões em que isso acontece: na última ceia. Mateus 26.26: Enquanto comiam, tomou Jesus um pão, e, abençoando-o, o partiu e o deu aos discípulos, dizendo, tomai, comei, isto é o meu corpo. Tomou um cálice, e tendo dado graças, o deu aos discípulos dizendo: bebei dele todos, isto é o meu sangue. Mesma coisa em Marcos 14.22, Lucas 22.19, I Coríntios 11.24.
E outra vez, ainda, já ressurreto, com os discípulos no caminho de Emaús, em Lucas 24.30. Aliás, foi por causa disso que os discípulos o reconheceram.

Jesus tinha o seu jeito próprio de alimentar os seus. Não era só um ritual, esse costume de elevar os olhos para o céu, dar graças, abençoar o pão, partir e dar aos discípulos. Ao fazer isso, cada refeição se tornava Santa. Uma Santa Ceia, um Santo Desjejum, um Santo Almoço, um Santo Lanche da Tarde, um Santo Assalto à Geladeira de Madrugada. Não eram apenas os corpos dos discípulos que estavam sendo alimentados, mas também e principalmente as suas almas. Então, outra bola fora dos títulos da SBB, a última ceia não foi a última. Nem a primeira.
Ao criar e repetir a fórmula da consagração, Jesus estava, desde o começo, apontando para o significado da sua vida e da sua morte: o pão que ele partiu e multiplicou, duas vezes, já era o seu corpo. O pão partido na última ceia, já era o seu corpo. O pão partido em Emaús, já era o seu corpo. Se a gente for mais longe, o pão que o profeta multiplicou já era o seu corpo. O maná que desceu do céu e foi o único sustento do povo de Deus no deserto, já era o corpo de Cristo, que 4.000 anos depois confirmou, dizendo: eu sou o pão vivo que desceu do céu.

Na prática, isso precisa ser refletido com mais seriedade na nossa celebração da Santa Ceia. Nós, presbiterianos do Brasil, acabamos copiando muita coisa errada das igrejas evangélicas, em vez de nos espelharmos nas igrejas protestantes. Então, quando vamos celebrar a Santa Ceia, tem igreja que trata como se fosse o almoço de domingo na casa da avó: faz uma oração rápida, aquela oração de fome, e todo mundo ataca. A gente imita o nosso avô, e isso seria legal se a Santa Ceia fosse mesmo um almoço de domingo na casa da avó, afinal, esse é o ritual. Mas se nós vamos repetir o ritual do sacramento do Corpo e do Sangue do Senhor Jesus, talvez fosse melhor a gente ser imitador de Jesus, e não do nosso avô?

As igrejas presbiterianas e reformadas dos EUA e da Europa já estão tomando consciência disso e resgatando a celebração da Eucaristia da Igreja primitiva, a igreja dos Pais Apostólicos, que é um diálogo bonito, poético, até, entre o celebrante e o povo, em vez daquele monólogo corrido que a gente vê hoje em tantos lugares, como se a Santa Ceia fosse uma coisa chata que só serve pra deixar o culto mais comprido uma vez por mês, então vamos logo com isso...

Assim como Cristo fazia, o ritual da Santa Ceia da igreja pós-apostólica tinha várias partes, cada uma com o seu significado.

O elevar dos olhos aos céus, que Calvino dizia que não era apenas dos olhos, mas também dos corações (engraçado notar, na liturgia católica romana, diz-se “corações ao alto”; na reformada e presbiteriana, nas igrejas que usam a liturgia completa, nós dizemos “elevemos os corações”. É um convite, não um assalto!).

Depois, a ação de graças. Na liturgia cristã, ela ganhou o nome de Grande Ação de Graças, porque aqui nós não vamos dar graça só pelo alimento, mas também pelo Corpo de Cristo, partido por nós. Aliás, vamos dar graças, glórias e louvores, por tudo o que veio antes disso, também, desde o pecado de Adão até a morte e a ressurreição de Cristo, e a promessa da segunda vinda dele, que nós aguardamos ansiosos.

Em seguida, seguindo o exemplo de Cristo, a igreja ora a Deus nas palavras que o Senhor ensinou, o Pai Nosso. Aí é que vem as palavras da instituição, a consagração e o partir do pão e o partilhar do cálice. Eu acho interessantíssimo, que o Rev. Allen é o único pastor que eu conheço que prefere usar o texto de João 6. Todos os outros pastores que eu conheço usam o texto de Coríntios.

Um teólogo suíço do século XX lembra que Deus está fora do tempo, então, para ele, cada vez que nós nos reunimos para celebrar a Santa Ceia, é como se nós estivéssemos fazendo isso ao mesmo tempo, junto com todos os outros cristãos que já viveram e que ainda vão viver: para quem vê a linha do tempo de fora, esses pontinhos separados convergem para uma única cadeia de eventos: a morte, a ressurreição e a volta gloriosa de Cristo. Os anglicanos, os luteranos e os reformados europeus sempre anunciaram isso na celebração da Ceia, o mistério da fé. Isso não é coisa de católico romano, é coisa de cristão, já existia antes do bispo de Roma dar o golpe e virar Papa no século VII. E se a gente levar isso em consideração, seria legal respeitar também a forma que Jesus instituiu pra gente fazer isso. Os presbiterianos americanos e escoceses estão redescobrindo isso desde o século XX. Talvez seja agora a nossa vez.

Concluindo, Santa Ceia não é cemitério, não é um ritual fúnebre. Não é só anunciar a morte do Senhor até que ele venha. É anunciar que ele morreu, que ele ressuscitou e que ele voltará em glória. É dar graças a Deus por isso, por toda a história da nossa salvação, desde o pecado original até a morte e a ressurreição de Jesus. É entender por quê e para quê tudo isso aconteceu. Talvez seja por causa dessa visão “cemitério” da Santa Ceia que tantas igrejas preferem celebrá-la o mínimo possível. Tem igreja presbiteriana aqui no Brasil em que ela é celebrada quatro vezes no ano e só.

Mais do que isso, Santa Ceia é participar espiritualmente do Corpo e do Sangue de Cristo, e não só comer um cubinho de pão-de-forma e um dedal de suco de uva, todo mundo com cara de enterro como se Jesus ainda estivesse morto. Presbiteriano fala mal do crucifixo dos católicos, mas muitos de nós agimos na ceia como se Jesus ainda estivesse pendurado lá mesmo! Graças a Deus a gente já se livrou do pão-de-forma e usa um pão único, e está se livrando da cara de funeral também. Brincando um pouco, um dia se Deus quiser e o Conselho aprovar a gente se livra do suco e usa vinho de verdade, pra alegria ser completa!

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Presbiterianos & Liturgia, parte 8

Terminologia e glória

Por Jeffrey Meyers

(continuação da parte 7)
(leia o original aqui)

A terminologia que nós usamos para descrever o que acontece no Dia do Senhor pode causar confusão. Nós herdamos a designação “serviço de louvor”, que, na minha opinião, leva a uma confusão sobre o que realmente acontece na congregação.

“Serviço” vem do latim servitium, como em servitium Dei (“o Serviço de Deus”, ou “o Serviço Divino”). Essa forma antiga de designar a liturgia cristã é deliciosamente ambígua. No “Serviço divino” ou no “Serviço de Deus”, quem está servindo quem? É Deus que nos serve, ou nós servindo a Deus? Ou ambos?

Na concepção clássica, considerava-se que o “Serviço Divino” incluía tanto o serviço de Deus a nós, e o nosso serviço a Deus. Mas mesmo naquele tempo, nossos pais na fé consideravam o serviço de Deus a nós (o perdão dos pecados, o ministério [serviço!] da Palavra, os Sacramentos etc.) como o principal, e o nosso serviço a ele como uma resposta secundária.

Mas a prioridade do serviço de Deus a nós é exatamente o que se perde quando chamamos nossa assembléia dominical de “louvor”. No inglês (worship), esse termo vem do anglo-saxão worth-ship, que significa reconhecer o devido valor (worthness) de uma coisa ou de uma pessoa. Ao chamarmos nossa reunião de “culto de louvor”, parece que estamos dando ênfase não às dádivas e ao ministério de Deus a nós por meio da Palavra e dos Sacramentos, mas sim ao nosso, de reconhecer o “valor” de Deus.

Infelizmente, muitas pessoas que pregam e ensinam acerca do culto têm uma tendência de passar batido por isso. Nós tendemos demais a aceitar a enganosa tradução de “liturgia” como “o serviço do povo”, o que, na verdade, é só metade da história, e, na verdade, é a segunda metade!
O que acontece no domingo é a continuação do serviço do Senhor Jesus, assunto aos céus, por seu povo. “Pois qual é maior: quem está à mesa, ou quem serve? Porventura não é quem está à mesa? Pois, no meio de vós, eu sou como quem serve.” (S. Lucas 22.27; veja também S. Mateus 20.28, S. João 13.5-16 e Filipenses 2.7-8).

Sem essa compreensão, nosso culto inevitavelmente se degenera em pelagianismo com verniz calvinista. O serviço de louvor não é primeiramente para Deus. Ao contrário, primeiro nós recebemos de Deus, então, secundariamente, nós devolvemos a ele, com gratidão, precisamente daquilo que ele generosamente continua a nos dar.

Glória

Afinal, Deus não precisa de nosso serviço ou adoração. Ele não nos criou primeiramente para se glorificar a si mesmo, mas para distribuir e compartilhar a plenitude da sua glória com as suas criaturas. Isso precisa ser considerado com cuidado. O verdadeiro Deus não é como os deuses pagãos que precisam se alimentar de toda a glória que conseguirem. Para o verdadeiro Deus, a verificação da quantidade de glória que ele possui e a que nós possuímos não é um exercício de compensação. Se ele tem toda a glória, isso não significa que nós não temos nenhuma. Se nós temos glória, isso não vai às expensas da sua própria glória. Somente quando nós nos recusamos a reconhecer a fonte da nossa glória e nos afirmamos a nós mesmos contra a sua, é que incorremos na condenação dos profetas.

Thomas Howard desafia corretamente essa distorção:

Se apenas Deus é Todo-glorioso, então ninguém mais tem glória alguma. Nenhuma exaltação pode ser admitida a qualquer outra criatura, pois isto colocaria em xeque a prerrogativa exclusiva de Deus. Mas isto é imaginar uma corte medíocre. Que tipo de rei se cerca de criaturas deformadas, aleijadas e sem valor? Quanto mais glorioso o rei, mais gloriosos são os títulos e honras que ele confere. As plumas, coques, coroas, diademas, mantos e medalhões que adornam sua corte testificam de uma coisa apenas, de sua própria majestade e munificência. Grande é o rei que tem figuras de tão grande dignidade em sua corte, ou melhor ainda, que ele mesmo elevou a tal dignidade. Esses grandes senhores e senhoras, alfaiados e coroados com a maior honra e dignidade, são precisamente seus vassalos. Esse conjunto resplandecente é a sua corte! Toda a glória a ele e, nele, glória e honra a esses outros (Evangelical is not enough [Nashville: Thomas Nelson, 1984], p. 87).

Mas é essa forma mais crua de doutrina que povoa o imaginário popular. Se alguém tem uma nesga de glória, ela deve ser confiscada por Deus. Isso é paganismo. Ao contrário, nós devemos dizer que, se alguém tem uma medida, ou dez, de glória, ela lhe foi dada por Deus, da plenitude de sua própria glória, de modo que toda a glória no mundo redunda, em última análise, a ele. “Porque dele e por meio dele e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém.” (Romanos 11.36).

É essa visão equivocada da relação entre a glória de Deus e a nossa própria que leva a toda sorte de erro. Nossas igrejas não podem ser belas (gloriosas), mas devem parecer com auditórios, nus e caiados, do contrário poderíamos estar desviando as pessoas de Deus, que sozinho possui toda a glória. Loucura. A beleza não é perigosa em si mesma. É Deus quem dá glória e beleza a seu povo. Que idéia de Deus é passada por igrejas que deliberadamente fazem ambientes feios para o culto? O de um marido que prefere que sua esposa seja desmazelada, que não permite a ela que se embeleze; tal marido não ama de verdade a sua esposa. E quão pior seria que ele preferisse chamar a atenção para si mesmo e sua beleza, ao manter a sua esposa em farrapos!

O Pai deseja glorificar a noiva de seu Filho. O Filho também se dedica para embelezá-la. O Espírito da glória está diretamente envolvido nessa produção. O que você acha que isso significa para a liturgia cristã? Pense assim: o que fazemos nas cerimônias de casamento? Normalmente, os pais e o casal se dedicam a torná-las belas. Tempo e esforço são aplicados para assegurar que tudo seja feito direito, para glorificar a noiva e assegurar que a cerimônia seja, também, gloriosa. Por que não temos essa mesma postura com relação ao culto do Dia do Senhor? Onde está a preocupação correspondente com a beleza e o significado da liturgia da Igreja?

(continua na parte 9)

terça-feira, 22 de julho de 2008

Hinário e Cancioneiro Reformados

Como eu já delineei no post anterior, um dos grandes projetos da Sociedade pela Liturgia Reformada será publicar (mesmo que apenas virtualmente) dois compêndios de música. Um será voltado à forma mais tradicional de canto congregacional protestante no Brasil, o hino métrico (ou simplesmente "hino"). O outro, à forma de uso mais crescente, que é a dos cânticos congregacionais, compostos na forma de música popular.

O critério básico de seleção das músicas será essencialmente a adequação teológica das suas letras à teologia reformada. Hinos e corinhos clássicos certamente serão incluídos, bem como composições novas que forem mandadas pra cá. Todas as letras serão revistas e editadas conforme necessário para adequação teológica.

Os dois volumes terão a mesma organização interna, voltada para facilitar a consulta e o manuseio (se é que edições em papel chegarão a ser impressas e manuseadas). Essa estrutura também facilita a ampliação dos livros em edições seguintes. Vejamos:

Primeiro, como em toda a tradição do culto cristão, os livros conterão 35 capítulos, separados em duas partes principais, a dos Ordinários e a dos Próprios. Em cada um dos capítulos, a numeração dos cânticos e hinos é zerada (por exemplo, 02.01, 02.02, 02.03, 03.01 etc.). Assim, fica facilitada a inclusão de novas músicas em edições posteriores.

Na parte dos Ordinários, ficarão os hinos ou cânticos de uso geral da Igreja, que farão parte do seu repertório cotidiano, podendo ser usados em todo tipo de culto. Na verdade, a própria ordem dos assuntos é a do culto reformado: chamada à adoração, penitência, redenção, Palavra, ação de graças, Sacramentos e intercessão. Ela conterá 13 capítulos:

1. Cantos Litúrgicos Ordinários

Aqui, serão incluídos os cantos e responsos litúrgicos tradicionais da Igreja Cristã:
Kyrie (Senhor, tem misericórdia de nós),
Glória ao Pai,
Glória a Deus nas alturas,
versões musicadas do Credo,
o Sanctus (Santo, santo, santo é o Senhor Deus dos Exércitos, os céus e a terra estão plenos da sua glória)
o Benedictus (bendito o que vem em nome do Senhor),
o Agnus Dei (Cordeiro de Deus, que tiras o pecado do mundo, tem misericórdia de nós e dá-nos paz).

Além de aleluias, améns, responsos e outras doxologias (cânticos curtos de adoração) tradicionais.

2. A Santíssima Trindade
3. Deus, o Pai
4. Deus, o Filho
5. Deus, o Espírito Santo

Os capítulos 2 a 5 serão dedicados aos cânticos e hinos de louvor à Santíssima Trindade e às suas pessoas consideradas individualmente. O teor das letras, aqui, deve ser estritamente doxológico, ou seja, de simples louvor a Deus. Cânticos que aliam a doxologia a petições ou aspirações serão incluídos nos capítulos específicos.

6. Cânticos Penitenciais
7. Cânticos de Redenção

O capítulo 6 trará letras em que se confessa a condição de miserável pecador do homem e a sua dependência de Deus. O capítulo 7 é dedicado às letras que celebram a redenção dada por Deus ao homem pecador.

8. A Palavra de Deus

As canções do capítulo 8 exaltam as virtudes da Bíblia, como revelação autorizada da Palavra de Deus, fonte de sabedoria, instrução e doutrina para o cristão.

9. Salmos e Cantos Bíblicos

O capítulo 9 é dedicado a metrificações, versificações e paráfrases de passos das Escrituras. O cântico de salmos metrificados é tradição de raiz indiscutivelmente reformada, embora largamente abandonada no presbiterianismo brasileiro.

10. Ações de Graças

O capítulo 10 enfoca a ação de graças do homem a Deus pelos benefícios que este lhe concede, desde a vida até o sustento e especialmente a salvação. São letras propícias sobretudo à dedicação das ofertas antes da celebração eucarística.

11. O Sagrado Batismo
12. A Sagrada Eucaristia

Os capítulos 11 e 12 enfocam os dois sacramentos universalmente aceitos pela Igreja de Cristo, o Sagrado Batismo e a Sagrada Eucaristia.

13. Intercessão e Fé

Encerrando a parte dos Ordinários, cânticos de intercessão, que dirigem a Deus súplicas em favor do mundo, da Igreja, dos enfermos, dos desvalidos e de todas as mais preocupações dos cristãos.


A segunda parte é a dos Próprios, hinos e cânticos destinados a ocasiões específicas do calendário eclesiástico, civil, ou da vida da igreja.

14. O Advento
15. O Natal
16. A Epifania
17. A Quaresma
18. A Entrada Triunfal do Senhor
19. A Paixão e Morte do Senhor
20. A Ressurreição do Senhor
21. A Ascenção do Senhor
22. A Grande Comissão
23. O Pentecostes
24. A Segunda Vinda e o Celeste Porvir
25. O Culto ao Senhor
26. A Escola Dominical
27. As Sociedades Internas da Igreja
28. A Confirmação
29. A Ordenação e Instalação de Oficiais
30. A Unção dos Enfermos
31. O Casamento e o Lar Cristão
32. Encomendação e Ofícios Fúnebres
33. Testemunho e Aspiração Cristãos
34. O Ano Novo
35. A Pátria


O endereço atual dos arquivos do Projeto é http://www.4shared.com/dir/8288577/4010674e/Msica_Reformada.html

O Projeto, como sempre, aceita colaborações! =)

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Projeto Música Reformada

As igrejas reformadas no Brasil têm, historicamente, padecido da falta de recursos musicais adequados. Todos os hinários editados até hoje, sem exceção, padecem dos efeitos de influências de outras correntes teológicas e ideológicas não necessariamente (e algumas vezes, totalmente opostas às) reformadas. Sobretudo os hinários empregados, historicamente, pelo presbiterianismo brasileiro (Salmos & Hinos - congregacional - e Hinário Evangélico - metodista) padecem de profunda influência, a uma, do avivalismo dos séculos XVIII e XIX (em que pese a prolífica produção musical e poética, pouco dela se salva), e, a outra, do arminianismo.

Esforços foram feitos pelas principais igrejas presbiterianas no Brasil (IPB e IPI) para purgar essas influências teológicas "estranhas" de seus novos hinários oficiais, Novo Cântico (1985/1991) e Cantai Todos os Povos (2003), respectivamente. Mas sobretudo o saudosismo e um persistente avivalismo impediram a completa filtragem dessas letras (e também dessas músicas). Ora, além das acusações de arminianismo (e outras heresias mais, estas bem mais localizadas e sutis), há que se enfrentar, nos hinários, as constantes acusações de que parte de suas músicas nasceram como "música de cabaré".

Até onde se sabe, pode muito bem ser verdade que alguns hinos da época do avivalismo sejam, mesmo, música de cabaré. Os autores sacros desse movimento se valiam da música folclórica e popular, usando, no lugar de suas letras, seus próprios poemas. Em que pese os resultados positivos que isso trouxe à difusão do Evangelho, é de se notar a absoluta pobreza musical de boa parte dessas melodias. Calvino, citando Agostinho, dizia que a música a ser usada no culto ao Senhor deveria ser sóbria e majestosa.

É, portanto, a nossa intenção, compilar e produzir, mesmo que apenas online, um hinário que, distante já desses movimentos teológicos, possa resultar numa síntese depurada do que de melhor se produziu na hinódia protestante, adequando-se letras, melodias e harmonias, conforme necessário, ao contexto teológico reformado atual.

Não apenas isso. É notório que se padece, hoje, de um déficit na produção de novos hinos. A letra mais nova do NC data dos anos 1970, em um hino que trata da conquista espacial e da contemplação da grandeza da Criação pelo homem e sua pequenez ante o Criador. Talvez o CTP esteja melhor equipado nesse departamento (ainda não tive a oportunidade de adquirir um).

Assim, procuramos, a uma, um hinário teologicamente correto e, a duas, que traga, ao lado dos grandes clássicos da hinódia cristã-protestante, novas composições, que atendam e reflitam os anseios e o contexto contemporâneo.

Mas não apenas de hinos se faz a música litúrgica. A música, em sua roupagem popular contemporânea, com seus instrumentos, ritmos e linguagem poética próprios, estão absolutamente entranhados na cultura litúrgica reformada/presbiteriana brasileira, assim como no cristianismo reformado de todo o mundo. No mainstream calvinista brasileiro (excetuados, portanto, exceções curiosas e até mesmo exóticas, de igrejas que permanecem na hinódia exclusiva, ou mesmo que regrediram ao modelo puritano da salmodia exclusiva), o que se vê é a coexistência, mais ou menos pacífica, da música contemporânea com a hinódia protestante.

O problema tem sido a adoção absolutamente acrítica da música contemporânea, vinda quase que exclusivamente de grupos de teologia não-reformada (ou ainda, sem qualquer preocupação teológia apriorística). A forma de inclusão dessa música dentro da liturgia merece um artigo próprio, que eu pretendo escrever em breve.

Mas importa dizer que, passados já quase trinta anos da criação das primeiras bandas de música contemporânea de conteúdo cristão, é mais que passada a hora de uma revisão cuidadosa do conteúdo que sobreviveu ao teste do tempo, bem como do que tem sido despejado no mercado com uma velocidade absolutamente industrial.

É preciso fazer com que a moda e o mercado gospel parem de ditar o conteúdo da nossa liturgia. Eles deveriam, na verdade, ser instrumentos medidores, e não determinantes. Precisamos ser mais críticos quanto ao quê e onde cantamos qual tipo de letra e de música no culto. Por isso, o projeto que a Sociedade pela Liturgia Reformada está lançando inclui dois volumes: um Hinário e um Cancioneiro, que provisoriamente ganham o nome de reformados.

A idéia é de uma cuidadosa revisão da teologia e da música de hinos clássicos e novos, cânticos clássicos e novos, construindo um recurso valioso para todos quantos estão envolvidos na elaboração da liturgia nas igrejas reformadas do Brasil.

Eu, sozinho, não tenho a capacidade teológica e musical de fazer isso. Conto com a contribuição dos leitores, com revisões, encaminhamento de material e tantas sugestões quanto forem possíveis. O projeto ficará hospedado aqui, e eu pretendo dar mais detalhes sobre ele no meu próximo post!

sábado, 12 de julho de 2008

Presbiterato e vestes talares

Um presbítero da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil me mandou, recentemente, um scrap no Orkut, perguntando o seguinte:

Quanto às vestes talares de pastores e leigos, lembro-me (se não me falha a memória) que você indicou um "link" onde mostrava modelos das vestes. Minha pergunta é justamente o que foi discutido na comunidade "Liturgia" a respeito das vestes e o uso pelos Presbíteros, já que a vestimenta está associada ao título de quem a veste, ou seja, Reitor, Reverendo, Juiz, etc. e se para o presbítero poderia haver uma toga que diferenciasse das demais. Desde já, agradeço.



Bom, vamos por partes. O costume cristão bi-milenar é de que todos quantos tenham uma participação na condução do culto estejam trajados de modo a identificá-los como servos consagrados para essas tarefas. É por isso que em igrejas católicas romanas, ortodoxas orientais, anglicanas e luteranas, tanto os ministros como também o coro e os auxiliares (acólitos, ou "coroinhas") sempre tenham uniformes que os identifiquem como tal.

Para mim, isso não é clericalismo, ou uma negação do sacerdócio universal de todos os santos; é apenas um uniforme que identifica quem vai fazer o quê. Isso nivela os participantes, que não serão mais vistos ou identificados por seu gosto (bom ou mau) para roupas, ou pior, pelo seu nível social, perceptível nas marcas que se usa. Eu fiquei extremamente desconfortável na minha adolescência, quando participava do conjunto musical dos jovens, quando alguém da igreja comentou que parecia que só podia subir à frente e participar do conjunto quem vestisse roupas de griffe. E, se parecia, era porque era isso mesmo que se via; tirando eu, que, adolescente desleixado, só vestia calça jeans e camiseta Hering, o resto do povo (especialmente as meninas) parecia pronto para ir desfilar no shopping (que acontecia com freqüência depois do culto). Mas o que importa é que ninguém está ali para se mostrar, ou para ostentar seus gostos e posses pessoais. Por isso, o uniforme ajuda.

Mas tornemos à pergunta do amigo presbítero. Tecidas essas considerações sobre os uniformes dos servos que lideram o culto, isso fica ainda mais patente quanto aos presbíteros. Na minha infância, era comum que todos os presbíteros vestissem terno e gravata para a Santa Ceia. Até os anos 80, era uma coisa uniforme. Mas dos anos 90 para frente, quando mudou a moda no corte dos ternos, ficava aquela coisa ridícula (clique nas palavras para ver do que estou falando): ternos xadrez, quadriculados, gravatas berrantes que eram curtas demais ou compridas demais, com aquelas lapelas que chegavam nos ombros... Enfim, os presbíteros viraram motivo de riso, porque, fora de moda como estavam, pareciam palhaços! E por conta disso, abandonou-se completamente o uso do terno por eles, em todas as igrejas que eu conheço! O efeito disso é fazer parecer que os sacramentos não são mais tão importantes assim, pois para participar da sua ministração, eles estão vindo vestidos casualmente. Um presbítero (atualmente, pastor) que eu conheço, muito gente boa e cuja filha eu já paquerei (hehe), chegou ao ponto de ir de camisa havaiana florida. "Anunciais a morte do Senhor até que ele venha" passou longe desse dia...

Na minha opinião, é interessante que haja um uniforme também para os presbíteros regentes, que reflita que os sacramentos e ritos sacramentais dos quais eles participam (Sagrado Batismo, Sagrada Eucaristia, Profissão de Fé, Ordenação e, em alguns casos, a Unção dos Enfermos) são, em primeiro lugar, atos importantes na vida cristã e, em segundo lugar, atos da Igreja de Cristo (que têm o poder de ligar na terra e no céu, e desligar na terra e no céu).

Mas qual uniforme?

A toga preta no corte de Genebra tem sido reservada, como o amigo consulente mencionou, para aqueles que desempenham o papel de presidência: Reitores, Juízes e Ministros do Evangelho. Em algumas igrejas (sobretudo anglicanas reformadas), os Mestres-de-Capela, embora não sejam sempre ordenados, também a usam. Mas não tenho notícia de presbíteros regentes usando-a.

Vamos, então, nos voltar para a Igreja Cristã bi-milenar.

Na igreja dos primeiros séculos, criou-se o costume dos recém-batizados trajarem-se usando um talar branco, de mangas justas e gola redonda. Essa era a roupa mais formal em uso no Império Romano; em geral, usava-se togas mais curtas, às vezes mesmo sem mangas, como já cansamos de ver nos filmes. Essa túnica talar era especialmente formal, para uso em ocasiões especiais. Por isso, seu uso pelos recém-batizados: eles acabavam de ser incorporados à Igreja de Cristo, e isso, naqueles tempos de perseguição, parecia ter um significado bem mais forte do que hoje infelizmente se vê.

Esse traje foi uma das coisas que a Igreja Católica Romana conservou, apesar das mudanças da moda que as invasões bárbaras ocasionaram (uso de calças e calçados fechados, por exemplo...). É, ainda hoje, vestido nas igrejas (católicas e protestantes, indistintamente) que conservam a tradição cristã ocidental. É a chamada alba, ou alva (foto abaixo).



Ela não é de uso exclusivo de ministros ordenados, mas pode ser usada por todos aqueles que foram batizados em nome da SS. Trindade. Ela é, ainda hoje, usada como a primeira camada de pano dos padres católico-romanos, anglo-católicos e luteranos de high-church, e fica por baixo da casula, como eu já disse no primeiro post do blog.

Então eu creio que a alba é uma boa pedida para ser a base do uniforme dos presbíteros regentes. Mas não só ela.

Como a alba é de uso comum por todos os batizados (e eu acho curioso notar que, de todos os não-conformistas, justamente os batistas conservem o seu uso original, como roupa batismal!), talvez seja interessante adicionar um elemento distintivo, que indique à primeira vista qual a função do servo que a está usando.

Aqui, eu sou a favor do uso da estola de presbítero. Explico-me.

Na tradição da igreja ocidental, geralmente se reconhecem dois ofícios ordenados (diácono e presbítero) e um ofício consagrado (bispo hierárquico). Cada um deles tem a alba como vestimenta-base, mas cada um tem, também, acessórios que permitem identificar prontamente quem é o quê.

O bispo, por exemplo, por cima da alba veste casula e copa (uma espécie de capa), usa um chapéu conhecido como mitra e carrega na mão um cajado chamado báculo. Abaixo, uma foto do Bispo Diocesano de Paisley, na Inglaterra, e seu filho, que é deão da mesma catedral (obviamente, na Igreja Anglicana).


O diácono, por cima da alba veste a sua estola, que tem um design próprio, pendendo de um dos ombros e presa à ponta do lado oposto. Usada deste jeito, ela representa o serviço, lembrando a toalha de que o Senhor Jesus se cingiu para lavar os pés dos Apóstolos (foto abaixo).


Já a estola do presbítero (até a Reforma Protestante, não existia a diferenciação entre presbítero docente e regente) pende livremente, pendurada pelo pescoço. Ela representa o jugo do Senhor Jesus, que é suave (relembrando que "jugo" é sinônimo de canga, a peça que prende o boi para puxar o carro ou o arado). Serve também para lembrar o seu usuário de que ele é servo, e não senhor. Por isso, também prefiro as estolas simples, de tecido liso e bordado discreto, aos festivais de fios de ouro e brocados que se viam na Idade Média.

Interesante notar que, mesmo na conservadoríssima Presbyterian Church of America, muitos ministros têm trocado a toga genebrina pela alba, mantendo a estola. Abaixo, foto de dois ministros da PCA (no púlpito, o Rev. Jeff Meyers, de cujo site tenho tirado muita, mas muita coisa boa, confiram!).


Pois a minha proposta, para os presbíteros que estão a fim de adotar um uniforme, tanto para destacar a natureza eclesiástica da sua função (não é um casamento de cartório, não é uma audiência no fórum, para se usar terno e gravata) como para ressaltar a sua importância (porque não se vai de calça jeans e camiseta pólo para nada importante), é justamente essa: a alba com estola. Não está invadindo a prerrogativa exclusiva de ninguém (como seria se eles resolvessem vestir a toga de Genebra) e ainda respeita 2000 anos de tradição cristã!

sexta-feira, 11 de julho de 2008

MORTE À TIGELINHA!


Na minha opinião, uma das coisas mais pavorosas inventadas pelos avivalistas foi o uso indiscriminado da tigela batismal. Creio que nada expressa melhor a negligência aos sacramentos dos adeptos dessa corrente teológica.



Por que eu digo isso? Porque em todas as igrejas de origem avivalista (me refiro especialmente às protestantes de missão que se instalaram no Brasil -- sobretudo as metodistas, congregacionais e presbiterianas), apesar da predominância do púlpito na arquitetura interna do templo, pelo menos a Mesa da Comunhão costumava ficar constantemente à vista do povo -- se a Santa Ceia não fosse celebrada, pelo menos a Mesa estava lá, como um lembrete constante do sacramento que nos traz à memória o sacrifício vicário do Senhor (as mais antigas, inclusive, com a gravação "Em memória de mim"). Se não era celebrado com freqüência, o sacramento ao menos se mantinha na memória do povo, lembrado pela presença constante da Mesa.

O mesmo não acontecia, em geral, com o sacramento do batismo. Criou-se, por praticidade, economia ou mesmo um estúpido anti-catolicismo, uma grande resistência ao uso de pias batismais, nas igrejas que adotam o batismo por imersão ou efusão. Salvo raríssimas exceções, a maioria delas passou a adotar aquilo que será objeto do meu total desprezo neste artigo: a tigela batismal. Na foto acima, este colunista sendo batizado pelo Rev. Gérson Pires de Camargo, na Igreja Presbiteriana Independente de Ibiporã (PR), no último dia do ano de 1984.

A tigela originalmente foi uma ótima idéia, criada para a administração de batismos de emergência, em que não costuma ser praticável (ou, pelo contrário, poderia ser perigoso) levar o candidato até o templo mais próximo para receber o sacramento. Mas nas igrejas de missão, o que se verificou é que, de exceção extremíssima, o uso da dita cuja virou a regra geral -- tanto que, fora das "catedrais", falar-se em pia batismal dentro de igreja protestante causa surpresa, estupefação e até mesmo revolta!

Mas a sua adoção tão ampla e indiscriminada esbarra em algumas questões.

Primeiro, como dissemos acima, o seu emprego é exageradamente utilitário, estética e cerimonialmente. Como dá pra ver na foto, eu ainda tive a sorte de ser batizado com uma taça de pavê consagrada para uso batismal. Mas boa parte dos meus amigos foi batizada, em outras igrejas, no que pareciam ser velhas escarradeiras de acrílico, ou pior, de lata barata pintada de dourado.

Não se tem a impressão de um instrumento especialmente consagrado para o importantíssimo uso da ministração de um sacramento da Igreja de Cristo. Porque a aparência é justamente de um utensílio qualquer, e a impressão que se tem é de que, para isso, qualquer caneca de alumínio com o emblema do time de futebol do pastor serviria tão bem quanto.

Note-se que, mesmo nas igrejas de liturgia mais baixa, no mínimo o cálice da consagração do vinho na Santa Ceia é prontamente identificável como "não é um cálice comum". E até mesmo as indefectíveis bandejas de alumínio com os abomináveis calicezinhos individuais são identificáveis com seu uso sacramental. E o sacramento do Santo Batismo, que também foi instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, por que não merece a mesma dignidade?

Segundo, porque mesmo quando é praticado em crianças, além da analogia com a circuncisão, o batismo faz analogia com as purificações cerimoniais dos sacerdotes da Antiga Aliança (que inclusive eram feitas por aspersão). E, exceto quando falta energia elétrica ou água aquecida, ninguém toma banho usando balde, tigela e/ou caneca (sim, eu já tomei, mesmo depois de crescido).

Mas acaso estão nossas igrejas em situação de constante emergência, que não conseguem se preparar para realizar um dos dois ritos mais importantes da fé cristã de forma adequada e digna, e que precise fazê-lo como se estivesse em infindável penúria ou economia de guerra?

Ora, se é pra "lavar", lave-se direito. Ou de corpo inteiro, como os ortodoxos orientais (três imersões completas, uma para cada pessoa da SS. Trindade, pra afogar de vergonha o batista mais radical), ou pelo menos tenha-se a dignidade de lavar na pia!

Terceiro, a questão da dignidade e da centralidade do sacramento na vida da igreja.

O Sagrado Batismo é o rito que marca a entrada da pessoa na igreja. Seja criança ou adulto, filho de pais cristãos ou novo convertido, pelo Batismo a pessoa é incorporada ao Corpo de Cristo (pleonasmo intencional). O batismo não é um sinal, não é apenas um ato simbólico. Como sacramento, ele carrega consigo, através dos elementos concretos, uma realidade espiritual, ou sacramental. Fisicamente, o batizado fica molhado, e logo depois é seco de novo. Mas sacramentalmente, aquela pessoa está marcada como membro da comunidade da Aliança. Passa a fazer parte dela, a receber todos os efeitos e benefícios que decorrem disso.

O Sagrado Batismo é tão importante quanto a Sagrada Eucaristia, porque é por meio daquele que se ganha acesso a esta (a menos que se considere a Confirmação/Profissão de Fé um sacramento também). E, justamente por isso, merece o mesmo destaque que recebem a proclamação da Palavra e a Eucaristia, com seus instrumentos de realização constantemente presentes e visíveis no presbitério, diante do qual, ou em torno do qual, a congregação dos santos se reúne dominicalmente para render culto ao Senhor.

Por essas razões, eu, seguindo algumas opiniões de peso (como o Rev. Carlos Alberto Fernandes e a Comissão de Liturgia da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil), rejeito o uso da tigela batismal como instrumento ordinário da ministração do Sagrado Batismo.

Também por isso, eu rejeito a posição tradicional na qual católicos romanos, anglicanos e luteranos geralmente colocam a pia batismal, no fundo do templo. É pouco prático para a congregação se reunir em torno dele, além de permanecer fora do campo de visão de todos exceto o ministro, no decorrer dos demais cultos.

O lugar da pia batismal é junto da mesa, do púlpito e da estante de leituras, no presbitério.

Para quem quer mandar fazer uma, uma sugestão: tradicionalmente, sobre um pedestal de madeira ou pedra, assenta-se uma base, também de madeira ou pedra, de formato octogonal (o formato tem um significado próprio, comprido demais para descrever aqui; em resumo, ele simboliza a eternidade, a velha e a nova criações -- em sete dias tudo foi criado; mas no oitavo, que é também o primeiro, tudo se fez novo com a ressurreição do Senhor!)

Nessa base octogonal, pode ser escavada ou encaixada a cuba da pia. Na base, também, podem ser feitas gravações; a mais tradicional delas é gravar, ou insculpir, à borda da cuba, a fórmula trinitária. É comum gravar, também, símbolos tradicionais do Cristianismo. Abaixo, exemplos de boas e bonitas fontes batismais:

Rev. José Salvador, batizando adultos na Igreja Evangélica Presbiteriana de Febo Moniz, Lisboa, Portugal. Reparem na fórmula trinitária na base da pia.


Rev. José Manuel Leite, instantes antes de molhar a cabeça do preocupado bebezinho, na Igreja Evangélica Presbiteriana do Bebedouro, em Montemor-o-Velho, Portugal. Alfa e Ômega gravados em dourado na base da pia.

Pia da Catedral (Católica Romana) do Rio de Janeiro.