segunda-feira, 29 de março de 2010

Paramentos

Por Douglas Wilson

Originalmente publicado em inglês em Credenda Agenda, em 19 de setembro de 2009.

Nota do Editor: Embora o Blog não subscreva todos os pontos de vista expressos pelo autor deste artigo, ele levanta alguns contrapontos práticos que geralmente passam em branco na reflexão dos partidários de um protestantismo reformado
high church.


Ao lidar com a questão dos trajes clericais, quer dentro do contexto de um Culto Público, quer fora dele, é difícil limitar a discussão a uma questão, apenas. Por exemplo, a questão de "usar paramentos" é uma questão. A questão de que esse uso seja obrigatório ou não, é outra, e ambas às vezes se sobrepõem. Nos estágios iniciais da Reforma inglesa, John Hooper voltou à Inglaterra no meio do reinado de Eduardo VI, e, dado o seu prolífico ministério no púlpito, foi-lhe oferecido o bispado de Gloucester. Ele declinou do cargo por ter escrúpulos quanto ao uso obrigatório dos trajes exigidos pelo Ordinal. Por sua recusa, foi lançado na prisão (por ninguém menos que Cranmer), e uma polêmica se iniciou.

quinta-feira, 4 de março de 2010

O incomum Livro de Oração Comum: ainda um best-seller, depois de 450 anos

Artigo originalmente publicado em inglês na revista Reformed Worship, n.º 53, Setembro de 1999.

Por Paul E. Detterman*

Por quanto tempo o povo de Deus tem debatido sobre a linguagem e a ordem do Culto? Por quase tanto quanto ele tem se reunido para orar e louvar a Deus.

A história da Igreja cristã tem sido marcada por épocas de estabilidade, quebradas por períodos de reforma. Quase sem exceção, o repensar da fé da Igreja (Teologia) tem inspirado a revisão do culto da Igreja (Liturgia), nem sempre nesta ordem. A oração, em uma tradição, precisa ser extemporânea (espontânea), ou não será considerada autêntica. Um século depois, aqueles que herdaram a tradição da oração extemporânea estão publicando livros de oração em um esforço para render ações de graças e intercessão a Deus em um estilo e forma considerados mais dignos da atenção divina. Os salmos metrificados de uma geração são os hinos empolados da próxima. Livros de oração, hinários, ordens de culto e lecionários vêm e vão. Governos e denominações ascendem e caem. E através disso tudo, alguns elementos da fé histórica e do culto da Igreja persistem.

O Pentecostes de 1999 marcou o 450.º aniversário do Livro de Oração Comum (LOC). Anglicanos fazem lembrar, com desculpável orgulho, que este é o mais antigo livro de culto em uso contínuo na Igreja de língua inglesa. Estantes de biblioteca, índices de periódicos e páginas da internet estão repletos da história detalhada e da análise exaustiva d'O Livro de Oração.

Mas esse aniversário não é simples curiosidade histórica, nem sua comemoração deve ser limitada aos cristãos que respondem a Cantuária. Historiadores da Igreja e teólogos do culto rapidamente nos lembrarão que muita da linguagem do LOC é familiar para incontáveis cristãos que nunca nem mesmo seguraram um exemplar em suas mãos. Esse livro de culto tão incomum, originalmente concebido uma geração antes de Shakespeare, continua a moldar a vida e a fé de cristãos de todo o mundo.

Origens do Livro de Oração Comum

Embora cristãos reformados, luteranos e anglicanos todos derivem uma porção significante de sua teologia e culto das reformas que aconteceram no século XVI, a Igreja da Inglaterra foi única tanto na origem como no resultado de sua reforma. O infame rei britânico Henrique VIII desafiou a autoridade do Papa e conduziu a Igreja da Inglaterra para fora de Roma por motivos tanto pessoais quanto políticos. Liturgia e oração estavam bem embaixo na lista das reclamações do rei. Como resultado, a reforma litúrgica seguiu a separação política a uma distância segura.

Não foi senão com a morte de Henrique em 1547 e a coroação de Eduardo VI (que ocorreu entre uma sonequinha e uma troca de fraldas do novo rei) que a reforma da Igreja inglesa floresceu. Em janeiro de 1549, dois breves anos após a morte de Henrique, uma comissão presidida por Thomas Cranmer, o longevo Arcebispo de Cantuária, compilou e apresentou um livro de oração para a aprovação da Convocação da Igreja e do Parlamento. Essa primeira edição do LOC seria extensamente revisada três anos após (1552) e subseqüentemente, banida durante o reinado de Maria I, "a Sanguinária" (1553-1558). Porém, a influência de sua estrutura e o poder de seu texto mudaram a Igreja.

Católico e Reformado

Embora pareça ser grosseria discutir genealogias em uma festa de aniversário, cristãos reformados e luteranos devem se lembrar de que, de muitas maneiras, o LOC é, em parte, nosso livro também. O Arcebispo Cranmer estava bem a par do progresso da reforma da Igreja no continente. Ao longo das décadas de 1520 e 1530, ele viajou pela Europa a serviço de Henrique VIII, e tomou contato com os ensinamentos dos reformadores, dentre os quais Lutero e Calvino, e aprendeu a política da reforma. Cumpre dizer que Cranmer foi essencial para a ida de intelectuais luteranos, calvinistas e zwinglianos para postos-chave das universidades da Inglaterra. As ordens de culto, as posturas e a linguagem das orações, e o entendimento dos sacramentos contidos no Livro de 1549 refletem uma síntese complexa das teologias e práticas católicas e reformadas.

Enquanto muito possa ser dito sobre a estrutura, o estilo e a influência do LOC, talvez mais importante para cristãos da tradição reformada seja a linguagem de suas orações e a centralidade que ele dá à Ceia do Senhor. De certa forma, o Livro conservou certos aspectos da herança de Calvino para seus descendentes diretos, até que estivéssemos prontos para recebê-los.

A linguagem das orações

No século XVI, a linguagem do culto era uma preocupação central. O culto na língua do povo não era um debate novo nos anos de 1500, nem era o ponto inicial de atrito para muitos dos reformadores. Mas a tradução do culto do latim para o alemão, francês, inglês e muitas outras línguas locais rapidamente seguiram-se às disputas iniciais. Cada reformador teve o seu poeta. Cranmer não foi exceção (embrora o seu possa ter sido uma comissão inteira!). De qualquer forma, desde a primeira edição em 1549, uma marca do LOC foi a beleza de seu texto.

As Coletas (orações curtas que reunem as preces silenciosas do povo nos diversos momentos do culto) são uma marca registrada do LOC. Muitas destas encontraram lugar em publicações reformadas, como o Livro de Culto Comum (PCUSA, 1993). Nos exemplos abaixo, note-se o uso das palavras e imagens que tornam essas orações simples, elegantes e sinceras (confira também o quadro ao final).

Oração ao fim do dia

Mantém vigia, amado Senhor, sobre aqueles que trabalham, vigiam ou velam nesta noite, e encarrega seus anjos daqueles que dormem. Atende os enfermos, Senhor Jesus, e concede descanso aos que se encontram fatigados, abençoa os que se encontram à morte, alivia os que sofrem, consola os aflitos, defende os que se alegram, tudo isso por amor do teu nome. Amém.

Coleta para a Quinta-feira Santa

Senhor Jesus Cristo, que estendeste teus braços de amor sobre a dura madeira da cruz, de modo que todos pudessem se aproximar de teu abraço salvador; veste-nos de teu Espírito, de modo que, estendendo nossas mãos em amor, possamos trazer aqueles que não te conhecem que te conheçam e te amem, para a honra de teu nome. Amém.

Uma oração pelos enfermos

Ó Deus, força dos fracos e conforto dos que sofrem, atende com misericórdia as nossas orações, e concede ao teu servo N. o auxílio do teu poder, de modo que sua enfermidade se torne em saúde, e nosso pesar em alegrias, por Cristo Jesus. Amém.

Nós, na tradição reformada, ainda pelejaríamos por mais quatrocentos anos com a linguagem da oração, criando padrões de intercessão que, se não por outra coisa, se tornariam memoráveis pela sua prolixidade, antes de retornarmos para o estilo do LOC como inspiração para uma nova geração de publicações de auxílio para o culto.

A centralidade da Sagrada Comunhão

De caráter central para o LOC, embora nem sempre para a prática de muitos anglicanos, foi o entendimento do Culto Dominical Central fundado tanto na Palavra quanto no Sacramento. O Livro de 1549 oferecia uma síntese do padrão romano, com os ofícios diários de oração matinal e vespertina, coroados pela Eucaristia no Dia do Senhor. Ao longo dos séculos seguintes, muitas igrejas não-romanas adaptaram suas práticas para se amoldarem à compreensão da época.

Cristãos da tradição reformada ainda celebram a Ceia do Senhor em ciclos trimestrais, mensais ou semanais, dependendo dos costumes e tradições regionais e locais das congregações. O LOC tem servido como um lembrete constante da intenção dos reformadores, e como um cutucão perpétuo para aqueles que elaboram os manuais de culto a cada nova geração.

E daí?

Um aniversário dessa magnitude é importante para os cristãos atuais, pois serve para nos lembrar de que as lutas que encaramos como oficiantes de culto em 1999 não são nada novas. As reformas da igreja que abalaram a Europa do século XVI não foram, de modo algum, únicas ou surpreendentes. Uma retomada do ensino e da pesquisa passaram a questinoar muita da tradição que evoluiu com a Igreja. Enquanto isso, o poder das Escrituras estava sendo redescoberto por aqueles na Igreja que não estavam contentes em ver os trapos da condição humana desacreditarem a Palavra de Deus. A Reforma era inevitável.

A Reforma da igreja, que continua a abalar a América do Norte nestes últimos dias do século XX não é única ou surpreendente, pelos mesmos motivos. A mudança continua inevitável.

Em tempos de reforma, aqueles que guiam a Igreja têm muito a aprender e a relembrar. O LOC de 1549 reuniu orações e salmos, litanias e ordens de culto de uma vasta gama de fontes separadas, organizando-as para que fossem úteis nos cultos público e doméstico, e traduzindo textos históricos do latim para a língua do povo. Se a publicação do LOC não tivesse realizado nada mais, isso mesmo já seria digno de nota. Porém, no transcurso do reinado de um infante-rei e em uma era de profunda reestruturação religiosa, o LOC ancorou a reforma da Igreja da Inglaterra dentro da tradição da Igreja histórica. Graças a Deus por esses 450 anos de oração comum, e pelas graças que ainda não conhecemos.

As Coletas de Thomas Cranmer

Para aqueles que se interessam por mais da contribuição do LOC de 1549 de Thomas Cranmer, confiram The collects of Thomas Cranmer, um novo livro de Frederick Barbee e Paul F. M. Zahl. As coletas se encontram na linguagem original, e cada uma é seguida de um comentário sobre seu contexto histórico e uma meditação voltada aos cristãos contemporâneos.

Excerto

ORAÇÕES PARA O ADVENTO, NATAL E EPIFANIA, DO LIVRO DE ORAÇÃO COMUM

As seguintes coletas são da edição de 1979 do Livro de Oração Comum da Igreja Episcopal dos Estados Unidos. (Sobre essa forma de oração que conclui, ou "coleta" as orações individuais do povo, confira Reformed Worship n. 52, p 44).

A edição de 1979 do LOC inclui ordens de culto e orações tanto na linguagem histórica quanto na contemporânea; um dos seguintes exemplos está na forma histórica, os demais, na contemporânea.

Primeiro Domingo do Advento

Deus Todo-Poderoso, concede-nos a graça de lançar fora as obras das trevas, e de revestir-nos da armadura de luz agora, neste tempo da vida mortal em que teu Filho Jesus Cristo veio para visitar-nos em grande humildade; concede-nos que, no último dia, quando ele vier novamente em sua majestosa glória para julgar os vivos e os mortos, nós possamos ascender à vida imortal; por meio dele, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e para sempre. Amém.

Segundo Domingo do Advento

Deus de misericórdia, que enviaste teus arautos, os profetas, para pregar o arrependimento e preparar o caminho para nossa salvação; concede-nos a graça de ouvir seus alertas e abandonar nossos pecados, de modo que possamos reeber com alegria a vinda de Jesus Cristo, nosso Redentor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e para sempre. Amém.

Terceiro Domingo do Advento

Manifesta teu poder, ó Senhor, e com grande força vem entre nós; e, porquanto somos amargamente abalados por nossos pecados, concede que tua abundante graça e misericórdia prontamente nos socorra e nos salve; por Cristo Jesus, Nosso Senhor, a quem, contigo e o Espírito Santo, sejam toda honra e toda glória, hoje e para sempre. Amém.


Quarto Domingo do Advento

Purifica nossas consciências, ó Deus Todo-Poderoso, pela tua visitação diária, de modo que teu Filho Jesus Cristo, em sua vinda, encontre em nós uma mansão para ele preparada, o qual vive e reina contigo, na unidade do Espírito Santo, um só Deus, agora e para sempre. Amém.

Nós Vos imploramos, ó Deus Todo-Poderoso, que purifiqueis nossas consciências por Vossa visitação diária, de modo que, quando Vosso Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, vier em Sua glória, Ele encontre preparada para Si uma mansão; por meio deste mesmo Jesus Cristo, Nosso Senhor, que vive e reina convosco na unidade do Espírito Santo, um só Deus, agora e para sempre. Amém.

A Natividade de Nosso Senhor: Noite de Natal

Ó Deus, que fizeste esta santa noite resplandecer com o brilho da verdadeira Luz; concede que nós, que conhecemos o mistério desta Luz na terra, possamos também gozá-lo perfeitamente no céu, onde, contigo e o Espírito Santo, ele vive e reina, um só Deus, em glória sempiterna. Amém.

Primeiro Domingo após o Natal

Deus Todo-Poderoso, que espargiste sobre nós a nova luz de teu Verbo encarnado; concede que esta luz, alimentada em nossos corações, possa brilhar em nossas vidas; por Jesus Cristo, Nosso Senhor, o qual vive e reina contigo, na unidade do Espírito Santo, um só Deus, agora e para sempre. Amém.

O Santo Nome de Nosso Senhor Jesus Cristo: 1.º de janeiro

Pai Eterno, que deste ao teu Filho encarnado o nome santo de Jesus para sinal da nossa salvação; planta em cada coração o amor a ele, que é o Salvador do mundo, Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, em glória sempiterna. Amém.


Segundo Domingo após o Natal

Ó Deus, que de forma maravilhosa criaste, e ainda mais maravilhosamente restauraste a dignidade da natureza humana; concede que partilhemos da natureza divina daquele que se humilhou para partilhar de nossa humanidade, teu Filho Jesus Cristo, que vive e reina contigo na unidade do Espírito Santo, um só Deus, para sempre e sempre. Amém.

A Epifania: 6 de janeiro

Ó Deus, que pela condução de uma estrela manifestaste teu único Filho aos povos da terra; guia-nos a nós, que conhecemos a ti pela fé, à tua presença, onde possamos ver tua glória face a face. Por Cristo Jesus, Nosso Senhor, o qual vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e para sempre. Amém.


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* Paul Detterman é conferencista, músico eclesiástico e Ministro da Palavra e Sacramentos da Presbyterian Church (USA). Ele trabalha como diretor executivo da Presbyterians for Renewal, um ministério nacional sediado em Louisville, Kentucky.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Atualização: Manual do Culto

A título de informação, o Rito I do Culto Público do Manual da SLR(link ali do lado) passou por uma revisão e foi atualizado. A diagramação também mudou. O texto foi corrigido em muitos pontos e a Oração Eucarística que vem com ele (a primeira do Manual, que terá algumas) foi bastante modificada.

Atualização (04/03/2010): Os Ritos I e II da Ordem para Celebração do Sagrado Matrimônio (ou simplesmente o Casamento Cristão) também foram revisados e republicados.

Confiram e opinem!!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Afinal, o que é Quaresma?

Editorial originalmente publicado no boletim de 14 de fevereiro de 2010 da Congregação Presbiteriana de Abreu e Lima/PE.


A partir da próxima quarta-feira, todos os cristãos do Ocidente entrarão no período do Calendário Litúrgico chamado Quaresma. O nome vem do latim, quadragesima, porque o período é contado a partir do quadragésimo dia antes da Páscoa.

Mas quem “inventou” isso? O que significa esse período que antecede a Páscoa? Para que ele serve?

O teólogo reformado suíço Jean-Jacques von Allmen explica que, no ano 325, no Concílio de Nicéia, logo que os cristãos fixaram a comemoração de uma Páscoa cristã separada da dos judeus, para celebrar a ressurreição de Cristo, criaram também um período de preparação para essa festa.

A idéia dos antigos era que, como na vitória de um rei, celebrava-se com festas e banquetes (e o que é a Páscoa senão a vitória do Rei dos Reis sobre a morte?), a preparação para essa festa se fazia com jejuns e meditação, para tornar ainda maior a alegria da festa vindoura.

Também para os antigos, nesse período os catecúmenos, ou seja, os novos cristãos que pretendiam professar sua fé, receber o Batismo e tornar-se membros plenos da Igreja, passavam para uma etapa mais intensiva de instrução e meditação, para que pudessem ser batizados no Domingo de Páscoa.

Outros elementos foram associados, ao longo dos séculos, com a Quaresma. Por exemplo, passou-se a estudar, nas leituras bíblicas do Antigo Testamento, o período de 40 anos que o povo de Israel passou no deserto antes de poder entrar na Terra Prometida (e cria-se uma analogia entre a peregrinação dos israelitas com a nossa própria, que somos “estrangeiros em terra estranha” e ansiamos entrar na Pátria Celestial). E, na Idade Média, o catolicismo romano transformou a Quaresma em período de penitência, de pregação do arrependimento dos pecados e de conversão. Criou a opção de se trocar os jejuns (que eram feitos duas vezes na semana, às quartas e sextas-feiras) pela abstinência de algum pequeno prazer da vida (principalmente o consumo de carne ou de álcool, como muitos católicos fazem até hoje), ou pela prática de obras de caridade. Foi aí que surgiu, copiando a prática dos israelitas, o uso de cinzas sobre os penitentes, que era aplicada no primeiro dia da Quaresma (e que ganhou, no século 12, o nome de “Quarta-feira de Cinzas”).

E só muito depois, quando as pessoas comuns não eram mais ensinadas sobre todo esse significado da Quaresma, que virou mero legalismo e superstição, inventaram o Carnaval, que significa “Festival da Carne”, e era a “última chance” do povo de comer carne e tomar bebidas alcoólicas sem se encrencarem com a Igreja. E lógico que, como era a “última chance”, o povo aproveitava para se empanturrar e encher a cara.

Mas e para nós, que somos protestantes e reformados, o que significa a Quaresma?

Ela significa um tempo de reflexão na obra de Deus em nossa vida; do Deus que andou junto do povo de Israel no deserto como coluna de nuvem e de fogo, e anda hoje conosco (em nós!) por meio de seu Santo Espírito. Significa um tempo de meditarmos na caminhada do Senhor Jesus para Jerusalém, que ele já sabia que terminaria em sua morte, e mesmo assim prosseguiu; de meditarmos na cruz de Cristo e seu significado para nós, e de meditarmos na nossa própria cruz, pois assim como Cristo a venceu, ele promete nos auxiliar a vencê-la.

Seja Deus sempre conosco!

Eduardo H. Chagas

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Forma da ministração dos Sacramentos

Post colado de um tópico do Orkut das comunidades da IPB, IPI e IECLB.

***

Eu sei que eu sou um enjoado high church que nunca ficará satisfeito com a forma "evangélica" com que os Sacramentos e Ritos da Igreja são tratados na IPB. Sei que vocês me darão um bom desconto por isso.


Mas parece que as coisas andam piorando ultimamente.


Exemplo 1: o Sagrado Batismo, o infantil.

Quando eu era pequeno, celebrava-se assim: o pastor dava uma breve explicação do significado do sacramento (quando ministrado a crianças), apresentava os candidatos, fazia as perguntas e tomava os votos dos pais, fazia uma oração intercedendo pela vida do novo membro que a Igreja estava prestes a receber, ministrava o Sacramento e depois orava de novo (ele ou um presbítero) agradecendo pelo Sacramento.

(em tempo, eu sempre odiei o "ovelhinha de Jesus" ou o "filho(a) da promessa" que os pastores enfiavam no meio da fórmula batismal).

Hoje em dia, o meu pastor, apesar de usar as perguntas, a fórmula e a forma (tripla efusão) prescritas no Manual da IPI, elimina as orações e raramente dá o significado do Sacramento.

No resto do Presbitério, usam a forma (única aspersão) e fórmula daquele manualzinho podre do Carvalhosa, quando usam. De resto, também eliminam as orações.

Como única melhoria, agora costuma-se chamar "a família e os amigos" (leia-se, os padrinhos) para acompanhar este momento de perto, coisa que jamais acontecia antigamente. Eram só os pais, ninguém subia nem pra ver mais de perto nem tirar fotos. Não se tomam os votos dos padrinhos, claro, mas já é um progresso.

(Não sei nas regiões de vocês, mas por aqui, todo mundo tem padrinho, mesmo que a Igreja não tome os votos deles no Batismo)

Exemplo 2: A Confirmação e a Profissão de Fé com Sagrado Batismo

Antigamente o negócio era tratado como um rito de passagem importante. Era quase uma formatura, e essa idéia começava com o próprio catecumenato: levava o ano inteiro, podia-se tomar pau por faltas, era bem possível não ser aprovado na sabatina do Conselho.

O rito em si começava com a entrada dos presbíteros, que sentavam-se à Mesa. Cantava-se um hino ou cântico, o pastor anunciava os aprovados, então fazia as perguntas e tomava os votos de praxe. Ao final, recitava-se (de cor!!!!) o Credo Apostólico (única ocasião em que isso costumava acontecer na vida de uma IPB do interior), orava-se e então batizava-se quem tinha de ser batizado, e todos eram declarados membros professos da Igreja. Orava-se de novo ao final e prosseguia-se para a celebração da Santa Ceia.

Hoje, à semelhança do Sagrado Batismo infantil, o negócio foi terrivelmente simplificado, como se tudo isso fosse uma burocracia que infelizmente temos de cumprir, e não um momento grandemente solene e grandemente festivo na vida do Corpo de Cristo.

Agora, chamam os candidatos à frente, que ficam lá em cima, do lado do púlpito ou da Mesa (nas igrejas que têm a Mesa no centro do presbitério), virados pra congregação, como um bando de calouros num palco. Faz-se as perguntas, batiza-se quem precisa ser batizado e dispensa-se todo mundo. "Vamos logo com isso" é a impressão que se passa.


Exemplo 3: "A Celebração da Sagrada Eucaristia, também chamada de Santa Comunhão ou a Ceia do Senhor"

Aqui é que eu acho a decadência mais marcante. Tudo bem, usar a Grande Ação de Graças para consagrar os elementos é uma coisa que, dos pioneiros, acho que só Simonton e Blackford faziam, e nunca pegou nas igrejas do interior.

Mas a Santa Ceia ERA um momento solene e tratado com a devida reverência.

O Conselho se reunia em torno da mesa, o pastor explicava o significado do sacramento, fazia a advertência, fazia uma oração que sempre terminava com a Oração do Senhor feita pela congregação. O pastor lia ou recitava de cabeça a Instituição usando o texto de I Coríntios e dava um momentinho de silêncio para meditação. Alguns pastores já faziam a elevação e a fração do pão e a elevação do cálice durante a Instituição, o que eu desde pequeno sempre achei maravilhoso e correto, mesmo antes de ter contato com o catolicismo romano. Aliás, acho que foi imitando meu tio, na fração do pão na mesa do café em um sábado de 1998, que eu primeiro senti uma pontinha de vocação...

Mas enfim, recitava a Instituição, elevando ou não os elementos. Entregava-os aos presbíteros, que os distribuíam à congregação, que já comungava no ato. A Igreja permanecia de pé, senão durante toda a consagração, pelo menos para a comunhão.

Em alguns lugares, o pão era primeiro distribuído para toda a Igreja, depois o suco de uva que se transubstanciou em vinho... Em outros, os elementos seguiam juntos, e dependendo da eficiência dos presbíteros ou da lerdeza dos comungantes, era bem capaz de se receber o vinho primeiro (acontece na minha igreja ainda hoje)...

Depois de todos servidos, o pastor servia o Conselho, repetindo "Este é o meu Corpo, partido por vós. Comei dele todos", e o "Este é o cálice da nova aliança no meu sangue". E era servido por último.

Ao final, um presbítero fazia a oração de ação de graças pós-comunhão. Cantava-se mais um hino, seguiam-se os avisos comunitários, a oração final, a Bênção e o Amém. O hino servia para separar o sublime momento do Sacramento, dos avisos. Se na Ceia nós elevamos os corações, como diz tanto a tradição cristã histórica, como também Calvino, esse hino, ou pelo menos a oração pós-comunhão serviam para nos trazer de volta à terra para os avisos, por assim dizer.

Como ficou a prática padrão agora, no meu presbitério?

O pastor reune o Conselho durante um hino ou cântico.

Na minha igreja, em lugar da Instituição paulina, o pastor usa ou parafraseia o texto do Evangelho segundo S. João (que não é uma Instituição propriamente dita), "o meu Corpo é verdadeira comida, o meu sangue é verdadeira bebida".

Um avanço é que, em lugar da longa advertência, o pastor faz só o Convite à Mesa: todos aqueles que professam a Cristo como Senhor e Salvador e se encontram em plena comunhão com a sua Igreja são convidados a dar testemunho de sua fé comendo do pão e bebendo do cálice.

Aí, ele parte o pão (é um só pra igreja inteira) e entrega para os presbíteros. Nada dos ridículos cubinhos de pão de fôrma. E entrega as bandejas de "suco transubstanciado em vinho".

Meu pastor é batista convertido em presbiteriano, e isso aparece com força no costume que ele deu à igreja, de todos esperarem para consumir os elementos juntos. Em que pese a simbologia de que, assim, em tese, "celebramos a unidade do Corpo de Cristo", e que há um mandamento apostólico de "esperarmos uns aos outros", eu particularmente acho a prática ridícula.

Primeiro, por causa da pose ridícula de galinha choca em que demos de esperar, segurando o pão em uma mão e o cálice na outra. No banco não aparece tanto, mas os presbíteros lá em cima esperando com os elementos na mão são particularmente deploráveis.

Segundo, porque na hora de beber o cálice, para citar von Allmen, parece um grande brinde: "Saúde!", e todo mundo vira ao mesmo tempo a dose de pseudo-vinho. E segue-se o clic-clic infernal de 200 desses dedais de plástico sendo colocados na estante do banco.

O único outro avanço, além do pão comum, é que já há presbíteros (um deles de origem metodista), que ao distribuir os elementos dizem "O Corpo de Cristo" e "O Sangue de Cristo". Mas esses são dois num Conselho de cinco.

Normalmente, após a Comunhão um presbítero é convidado a dar graças, como é normal. E então o culto segue normalmente para o seu fim.

***

O que me motivou mesmo a abrir este tópico é que ontem foi domingo de Ceia. Mas após a Comunhão do cálice, o pastor nem mesmo observou um momento de silêncio, nem convidou um presbítero ao pós-comunhão. Já foi saudando os visitantes e dando os avisos.

Se a Oração pós-comunhão serve para nos trazer de pára-quedas do céu à terra, isso que aconteceu ontem equivaleu a amarrar uma âncora na perna e jogar no mar. Devo escrever um e-mail ao Rev. sobre isso também. Mas precisava comentar com vocês.